Resenha – Os Meninos da Rua Paulo

Por Ângela Pinheiro, Professora da UFC, psicóloga e integrante do NUCEPEC (Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisas sobre a Criança).

Nos últimos dias, fui surpreendida por uma leitura que tem me levado a inúmeras reflexões: um livro de 1907, escrito inicialmente para o público infanto-juvenil, pelo então jovem escritor judeu húngaro Ferenc Molnár, Os Meninos da Rua Paulo, publicado pela primeira vez no Brasil em 1952, ano da morte do autor.

Já o acrescentei a outros textos que, advindos da poesia e da literatura, têm contribuído na busca intrigante e instigante que empreendo para a compreensão das relações entre nós, seres humanos. Dostoievsky, Cora Coralina, Pablo Neruda, Fernando Pessoa e Mário Quintana – para citar apenas alguns – têm sido fontes profícuas para esta busca: o encanto vai além da poesia e me ajuda no desvendamento infindável das teias subjetivas e objetivas da realidade humana.

Ambientado na Budapeste da época (início do Século XX), o enredo de Os Meninos da Rua Paulo é simples: a disputa entre dois grupos de meninos por um terreno baldio – grund, como território para um típico jogo com bola – péla. Secundariamente, são abordados a escola, a família e o mundo urbano. A simplicidade da trama contrasta com a riqueza na construção dos personagens, das relações entre eles e no desvelamento das nuances das emoções.

Tendo como objeto central o confronto entre os dois grupos, o texto revela a adoção por eles de complexa organização militar (e mesmo bélica), evidenciada pelo uso de patentes, e termos como continência, voz de comando, trincheiras, bombas (de areia), ordem do dia e plano de batalha, na descrição feita por Molnár das ações dos meninos. Aliás, a sua idade não é revelada, à exceção de referência aos 14 anos de Boka, um dos personagens centrais.

O mais instigante do texto é a intricada rede de emoções e valores que orientam o mundo desses adolescentes. Vai muito além de medo e coragem, covardia e bravura, disciplina e liderança, habilidade e força, mais factíveis em habituais enredos de confronto. O líder dos Meninos da Rua Paulo é ao mesmo tempo firme e afetuoso, severo e justo. Há o pedido e a concessão de perdão. Erros são reconhecidos e reparados. Regras para o combate são acertadas entre os dois grupos. Um invejável código de conduta, em que a honra toma lugar central, é cumprido. Esses meninos vivem com indescritível intensidade e diversificadas contradições a tristeza, a crítica, a gratidão, o orgulho, a responsabilidade, a solidão, a vergonha e a inveja.

O texto, deliciosamente fluido, peculiariza-se ainda pelas referências (poéticas) à natureza e a atribuição de vida a objetos.Diante da atualidade desse livro escrito há mais de um século, resta-me recomendar a sua leitura por todos e todas que têm o mundo infantil e juvenil como objeto de reflexão e trabalho. É excelente ponto de partida para diálogos com e sobre crianças e adolescentes.

MOLNÁR, Ferenc. Os Meninos da Rua Paulo. Tradução: Paulo Rónai. São Paulo: Cosac Naify, 2005

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