Duas rebeliões em menos de uma semana: adolescentes vivenciam graves abusos nas unidades de internação no Ceará

Mais uma rebelião ocorreu numa unidade de internação no Ceará, no Centro Educacional Dom Bosco (CEDB), na última terça (01 de abril). A segunda em menos de uma semana no estado. Este contabiliza o quinto episódio de conflito dentro de unidades de internação no Ceará desde julho de 2013, período após o qual os problemas das unidades de internação se acentuaram.

De acordo com o posicionamento de representantes da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS), órgão responsável pela administração das unidades de internação, a motivação das rebeliões estaria sempre relacionada a brigas e conflitos entre os adolescentes internos. Entretanto, o Fórum Permanente das ONGs de Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes do Ceará (Fórum DCA), que realiza o monitoramento independente do sistema socioeducativo no Ceará desde 2006, aponta que há uma relação direta entre as rebeliões ocorridas e o constante desrespeito à lei e aos direitos dos adolescentes internados.

Desde 2013, as unidades em Fortaleza seguem caóticas. Funcionam com cerca de 200% acima sua capacidade, fazendo o Ceará ocupar o terceiro lugar no Brasil no índice de maior superlotação. Em muitos momentos os adolescentes ficam incomunicáveis com seus familiares como forma de punição. As condições de trabalho dos profissionais das unidades é precária, os salários baixos e as equipes técnicas insuficientes. A educação é ilusória, havendo aulas apenas duas vezes por semana e que sequer seguem o currículo escolar regular. Há ausência de atividades pedagógicas. Os cursos que existem pouco correspondem às aptidões, interesses ou à efetiva profissionalização dos adolescentes. Ademais, os adolescentes sofrem cotidianamente tortura física e psicológica, com lesões corporais graves, desmaios e isolamento compulsório nas chamadas “trancas”. Alguns profissionais com histórico de tortura têm até sido promovidos a cargos de direção. São violações e abusos de toda ordem. Recentemente, até mesmo denúncias de estupro dentro das unidades são feitas.

O Fórum DCA se reuniu com o atual Secretário Josbertini Clementino em setembro de 2013 e apresentou várias demandas concretas. No entanto, seis meses depois muito pouco foi feito. Não houve seleção pública ou concurso para instrutores socioeducadores. As péssimas condições de trabalho permanecem. Nega-se a realidade da educação desastrosa nas unidades. Não se estabeleceu um mecanismo para apuração dos casos de tortura ou critérios claros para nomeação de diretores. Além disso, em 2009, foi criado um grupo de trabalho interinstitucional (GT) para discutir o sistema socioeducativo no estado, com a coordenação da STDS, tendo sido desativado e até hoje não foram retomadas as atividades. Tenta-se a mais de quatro meses uma nova reunião com o Secretário; ainda não fomos atendidos.

O Centro Educacional Dom Bosco (CEDB), onde ocorreu a mais recente rebelião, já é conhecido pela prática de tortura e outros abusos. Em agosto de 2013, por meio de denúncia averiguada pelo Fórum DCA, o Centro Educacional recebeu visita conjugada do Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública, os quais atestaram a ocorrência de tortura coletiva. Os adolescentes fizeram exame de corpo de delito, sete torturadores foram demitidos e o Juiz esclareceu a absoluta proibição de violência física aos profissionais e adolescentes internados. Não obstante, o Centro Educacional Dom Bosco hoje permanece com a prática diária de tortura e também surgiram denúncias de estupros de adolescentes por agentes públicos. Os fatos se agravam tendo em vista que o Centro abriga somente adolescentes de 12 a 15 anos de idade, com menor compleição física, menos capacidade de autodefesa e maior vulnerabilidade. A Secretaria deve atuar energicamente para mudar esta cultura e sancionar os responsáveis por estes crimes.

Não aceitaremos mais que esta situação permaneça! Exigimos que os gestores públicos se posicionem e não mais se omitam diante desta realidade caótica e violadora de direitos de adolescentes que em sua maioria são pobres, da periferia da cidade. Recorreremos aos órgãos nacionais, notadamente Ministério Público Federal, Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), Comissão Nacional do SINASE, Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e Conselho Nacional de Justiça, solicitando fiscalização, investigação e sanção para os responsáveis pela tortura e demais crimes, bem como para aqueles que se omitem diante dessa política massacradora e criminalizante da juventude! 

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