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Para enfrentar a violência: mais direitos e menos armas

Os episódios trágicos de violência nas escolas têm nos devastado profundamente. Ao mesmo tempo, tem nos revelado os impactos de uma sociedade fortemente marcada pelo aumento do discurso de ódio, pela legitimação de comportamentos agressivos e pelo avanço do ultraconservadorismo e extremismo de direita . Como ponto de partida, acreditamos que para avançarmos na proteção de crianças e adolescentes, bem como de toda a comunidade, e no enfrentamento da violência no ambiente escolar precisamos refletir profundamente sobre as causas desse problema.

Nos últimos 20 anos, foram contabilizados 23 ataques com violência em escolas no Brasil, de acordo com a pesquisa feita pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Destaca-se que episódios como esses não foram registrados em anos anteriores . Então, se esse fenômeno é recente, que contexto o Brasil vivenciou no último período?

Devido às medidas de relaxamento no porte de armas aprovadas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, o número de pessoas com licenças de porte aumentou 473% em quatro (04) anos. Em 2018, havia 117.400 registros ativos para Caçador, Atirador Desportivo e Colecionador (CAC), e em junho de 2022 atingiu 673,8 mil, o maior valor da série histórica desde 2005 . Os dados são do Anuário de Segurança Pública, com base em informações do Exército.

Outro fato relevante, é o aumento de representantes da chamada “bancada da bala” em espaços de poder no Brasil. A exemplo, de acordo com o estudo do Instituto Sou da Paz, em 2022 foram eleitos para o Congresso Nacional e para as Assembleias, um total de 103 representantes que tinham passagem pelas Forças Armadas e pelas Polícias .

Em paralelo, é fundamental considerar que as Políticas de Assistência Social e as Políticas de Saúde no Brasil sofreram cortes orçamentários significativos e impactos da austeridade nos últimos anos , o que agravou as vulnerabilidades sociais, no contexto da pandemia, vivenciados por crianças e adolescentes, e pela população em geral. Essas políticas na vida concreta das famílias, por exemplo, significa o acesso aos equipamentos do CRAS, CREAS, CAPS, e que tornam possível a inserção das mesmas em programas sociais, bem como o acesso à atendimento psicossocial, psicológico e psiquiátrico.

Não por acaso, é preciso também resgatar um pouco antes que, a partir de 2014, o país vivenciou o surgimento de movimentos como o denominado “Escola Sem Partido”, vinculado a organizações de extrema direita. Esse período ficou marcado pelo avanço do ultraconservadorismo na educação, sobretudo pela tramitação de projetos de lei em todo o Brasil para proibir que os temas relacionados à “gênero” e “sexualidade” fossem discutidos nas escolas. Além disso, esses grupos provocaram graves ataques aos direitos de crianças e adolescentes, à laicidade da escola, à liberdade de aprender e ensinar, ao pluralismo de ideias e à gestão democrática do ensino.

Outras medidas aprovadas como a “Reforma do Ensino Médio – em 2017 ” e o “Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares – PECIM – em 2019 ” também são elementos relevantes a serem analisados. Essas políticas são exemplos de esvaziamento do papel social da Escola na formação humana de crianças e adolescentes. Representaram a retirada do pensamento crítico, da diversidade, da problematização, da possibilidade da escola ser um espaço coletivo de partilhas e aprendizados. Na sociedade em que a gente vive, que é uma democracia, o investimento público deve priorizar políticas públicas que combinem educação de qualidade, democracia e direitos humanos. A aposta em um modelo de escola como o que estabelece o Novo Ensino Médio e/ou o PECIM é uma aposta em uma educação antidemocrática e autoritária, e que é terreno fértil para a violência nas escolas.

Quando tragédias de violência em escolas acontecem, há uma tendência a serem adotados discursos acalorados em defesa da adoção de uma política de segurança ostensiva e do recrudescimento do Estado. No entanto, a partir da compreensão de que a violência é um fenômeno multifacetado e que se relaciona diretamente com os contornos políticos em disputa, devemos avançar no debate sobre medidas que sejam capazes de construir transformações sociais, e que intervenham nas causas do problema.

Devemos aprender com a história: as políticas ostensivas de segurança não vão impedir que esses fenômenos aconteçam. Nos EUA, após o massacre de Columbine em 1999, houve um investimento altíssimo em policiamento, e em vigilância e fiscalização nas escolas. No entanto, os dados revelaram novos episódios de tiroteio e de estudantes que experienciaram a violência armada. A escola, portanto, deve ser um espaço de acolhimento para crianças e adolescentes, profissionais e comunidade escolar, e não um espaço de vigilância e fiscalização.

O Estado deve garantir que a escola, para além da sua relevância e da função principal para a garantia do constitucional direito à educação, tenha todas as condições de desenvolver o importante papel social para as crianças e adolescentes, bem como para todas as comunidades, como espaço de proteção, de prevenção à violência, de promoção da segurança alimentar, de sociabilidade, de acolhimento das diversidades e de superação das suas vulnerabilidades.

Apesar de contarmos com dispositivos legais que reconhecem os diferentes perfis socioculturais, étnicos e raciais dentro do ambiente escolar, no cotidiano diversos estudantes sofrem as terríveis consequências produzidas por anos de uma extrema-direita alavancada. Entre a população negra, dados recentes demonstram que a desigualdade educacional, segue identificada através de um marcador racial. Conforme levantado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD Educação 2019, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, 71,7% dos jovens fora da escola são negros, e apenas 27,3% destes são brancos. Importante pontuarmos que dentro de um Estado atravessado por políticas de extermínio da população jovem e negra, a educação deve despontar enquanto prioridade absoluta para impedir o recrudescimento da violência, seja ela de ordem física ou subjetiva, considerando que os efeitos do racismo, discriminação e intolerância afeta consideravelmente o desenvolvimento pedagógico de grupos historicamente marginalizados.

Diante de todo esse contexto, é preciso também refletir: “quem está mais vulnerável a essas situações?”. Em sua maioria, os casos de violência nas escolas no Brasil foram protagonizados por jovens do sexo masculino, brancos, que cultuavam armas, que tiveram experiências de sofrimento e violência no ambiente da escola, que apresentavam comportamos de isolamento social e de adoecimento mental. Essas características comuns refletem como o machismo – e a masculinidade tóxica, a misoginia, a discriminação, afetam a vida de crianças e adolescentes e as comunidades. Compreendemos que a família, a sociedade e o Estado possuem o dever fundamental de combater as opressões e a exclusão escolar.

O nosso campo de organizações e movimentos de direitos humanos, que defende o direito à educação pública, gratuita e de qualidade, tem propostas concretas. Fortalecemos as recomendações da Campanha Nacional pelo Direito à Educação para o enfrentamento da violência nas escolas , que envolve ações integradas da família, da sociedade e do Estado. Defendemos mais direitos e políticas sociais para crianças e adolescentes, para profissionais da educação e para as comunidades. E afirmamos que não aceitaremos viver em uma sociedade que cultua às armas e que mata crianças e adolescentes. Que as escolas sejam espaços de proteção, de inclusão e livres de violência.

[1] Disponível em: <https://media.campanha.org.br/acervo/documentos/Relatorio_ExtremismoDeDireitaAtaquesEscolasAlternativasParaAcaoGovernamental_RelatorioTransicao_2022_12_11.pdf>. Acesso em: 05/04/2023.

[2] Disponível em: <Estudo inédito mostra que Brasil teve pelo menos 23 ataques violentos a escolas desde 2002 | Blog da Andréia Sadi | G1 (globo.com)>. Acesso em: 05/04/2023.

[3] Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2022/06/28/licencas-para-armas-crescem-quase-cinco-vezes-no-governo-bolsonaro-exercito-tem-674-mil-autorizacoes-ativas-mostra-anuario.ghtml>. Acesso em: 05/04/2023.

[4] Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2022/10/bancada-da-bala-tera-mais-de-cem-representantes.shtml>. Acesso em: 05/04/2023.

[5] Disponível em: <https://www.inesc.org.br/balanco-do-orcamento-2019-2021-revela-desmonte-generalizado-de-politicas-sociais-diz-inesc/>. Acesso em: 05/04/2023.

[6] Disponível em: <https://media.campanha.org.br/acervo/documentos/CARTA_ABERTA_EM_DEFESA_DA_REVOGACAO_DA_REFORMA_DO_ENSINO_MEDIO_final-1.pdf>. Acesso em: 05/04/2023.

[7] Disponível em: <https://campanha.org.br/noticias/2019/10/03/nota-de-repudio-na-contramao-do-nordeste-a-adesao-do-governo-do-estado-do-ceara-ao-programa-nacional-das-escolas-militares/>. Acesso em: 05/04/2023.

[8] Disponível em: <https://campanha.org.br/acervo/relatorio-ao-governo-de-transicao-o-ultraconservadorismo-e-extremismo-de-direita-entre-adolescentes-e-jovens-no-brasil-ataques-as-instituicoes-de-ensino-e-alternativas-para-a-acao-governamental/>. Acesso em: 05/04/2023.

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Comdica aprova plano com ações para reduzir homicídios de adolescentes em Fortaleza

O colegiado do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Fortaleza (Comdica) aprovou o Plano Municipal de Enfrentamento à Letalidade na Adolescência para a Cidade de Fortaleza. O Comdica é um órgão deliberativo e controlador das ações do poder público na área da infância e adolescência em Fortaleza.

O Plano é composto por seis eixos temáticos e tem entre seus objetivos contribuir para a redução dos índices de homicídios na adolescência em Fortaleza até 2025. De janeiro a julho de 2020, somente na Capital, foram 127 crianças e adolescentes assassinados. O total de mortes já ultrapassa em 43% a soma de todas as mortes registradas em 2019: 89 homicídios. Os dados foram compilados e apresentados pelo Fórum Popular de Segurança Pública do Ceará (FPSP) a partir da base de dados do Governo do Estado.

Uma das metas do Plano é que o município chegue em 2023 com atendimento garantido a pelo menos 80% das famílias e adolescentes vítimas de violência letal e/ou em situação de ameaça. Essa meta deve ser alcançada por meio da criação de programa de atendimento psicossocial aos familiares vítimas de violência por homicídio. Atualmente, o Programa Cada Vida Importa (que tem esse objetivo) não apresenta execução orçamentária, ou seja, os recursos previstos no orçamento municipal não são de fato gastos em ações.

No eixo “Evasão e Abandono Escolar”, o Plano prevê que o Município deve criar mecanismos de busca ativa de adolescentes que eventualmente deixem de frequentar a rede municipal. Pesquisa do Comitê Cearense de Prevenção de Homicídios na Adolescência indicou que 73% dos adolescentes mortos em Fortaleza estavam fora da escola. O plano prevê meta que 80% dos casos de evasão e abandono escolar sejam identificados, encaminhados e solucionados.

No eixo sobre Sistema Socioeducativo, há previsão de parceria entre os centros socioeducativos da cidade e a Rede Cuca, para a realização de atividades dentro dos centros socioeducativos. A ideia é que a Rede Cuca seja vista pelos adolescentes como possível rede de apoio e oportunidade após o término do cumprimento da medida.

Ações como garantia de concurso público para a política de assistência social e aumento do número de CAPS e CREAS também integram o plano, como forma de fortalecer as políticas para a infância e adolescência no município.

Construção coletiva – O Plano Municipal de Enfrentamento à Letalidade na Adolescência vem sendo construído desde 2018 e contou com ampla participação da sociedade civil e poder público na sua elaboração. A aprovação aconteceu na reunião do Comdica no último dia 11/09.

Para que as metas estipuladas no documento se tornem reais, está previsto cumprimento integral do Plano pela Prefeitura de Fortaleza e garantia de orçamento público para as ações pela Prefeitura.

“A partir do que prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Comdica é um órgão deliberativo e controlador das ações voltadas para infância e adolescência, tendo a responsabilidade de formular políticas públicas para garantir dos direitos das crianças e adolescentes. Desse modo, este Plano não tem um caráter apenas de recomendações. Ele tem força normativa e vincula o Poder Público a agir, bem como a sociedade o dever de monitorar e exigir”, explica Mara Carneiro, Conselheira do Comdica.

Baixe o Plano Municipal na íntegra no site do Comdica, aqui

 

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CEDECA Ceará repudia a morte de mais um adolescente no sistema socioeducativo do estado do Ceará

No último dia 23 de março de 2020, o adolescente Douglas Vieira da Silva, de 17 anos, foi encontrado morto no Centro Socioeducativo do Passaré (CSP), em Fortaleza. Interrompe-se mais uma vida em um local que deveria garantir proteção e direitos, mas que se nega o mais básico deles: o direito de viver.

Desde o fim de 2015, 10 adolescentes morreram em unidades do sistema socioeducativo do Ceará, sendo 9 apenas nos últimos três anos. A situação alarmante e insustentável de seguidos episódios de mortes distancia por completo o caráter socioeducativo da medida de internação, transformando-a em uma situação de risco à vida de adolescentes e jovens.

O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei Federal Nº 8.069/1990) garante que adolescentes e jovens em cumprimento de medidas socioeducativas de internação perderam momentaneamente suas liberdades, mas são possuidores de todos os direitos humanos, como ser tratado com respeito e dignidade (art. 124, V), cabendo ao Estado a adoção de todas as medidas de segurança para zelar pela integridade física e mental dos adolescentes internos (art. 125). 

Além disso, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) determinou medidas contra o Estado brasileiro (Poder Público) para que se “garantam as condições de segurança nos centros socioeducativos, seguindo as normas internacionais de direitos humanos e resguardando a vida e a integridade pessoal de todos os adolescentes” (Medidas Cautelares 60-15, CIDH). 

Como sabemos, os adolescentes do Sistema Socioeducativo estão cumprindo medidas de responsabilização pelos atos infracionais que cometeram. E quando uma morte acontece dentro de uma unidade socioeducativa, quem responsabiliza o Estado? Como o Poder Público será responsabilizado por não garantir a vida de quem está  sob sua custódia?

Defenderemos fortemente o direito à vida e à integridade de TODOS e TODAS adolescentes e jovens no Estado do Ceará, o que inclui aqueles/aquelas em cumprimento de medidas socioeducativas. Vamos cobrar que todas as medidas sejam tomadas. Somos solidários e solidárias aos familiares do adolescente Douglas Vieira. Basta de mortes no sistema socioeducativo cearense.  A juventude quer viver!

CEDECA Ceará

Fortaleza, 24 de março de 2020.

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