Carta à Assembleia Legislativa do Estado do Ceará e à Sociedade Cearense:
PROMOVER EQUIDADE DE GÊNERO E DIREITOS DAS PESSOAS LGBTQIA+ É PAPEL DA ESCOLA!
Na véspera do dia 28 de junho, Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, um marco histórico dos movimentos por direitos dessa população que faz referência à data da Rebelião de Stonewall de 1969, vivenciamos mais um ataque aos direitos das mulheres, da população LGBTQIA+ e das crianças e adolescentes.
O Governo do Estado do Ceará enviou à Assembleia Legislativa, em junho de 2021, o Projeto de Lei (PL) que tem como objetivo implantar o Programa “Ceará Educa Mais”. Entretanto, tomou-se conhecimento que a bancada fundamentalista da Assembleia elaborou emendas ao PL para retirar qualquer menção aos termos “equidade de gênero” e “gênero e sexualidade”, provocando uma situação de discriminação no campo do ensino, de violação aos direitos humanos e de rompimento com a perspectiva de Educação Inclusiva. Por que falar sobre equidade de gênero incomoda tanto essas pessoas?
Como é costume, essa bancada, apoiada por ideias fundamentalistas, dissemina informações que mentem, manipulam, confundem a opinião pública cearense e espalham ódio. Vamos aos fatos que justificam a importância de se falar sobre gênero e diversidade nas escolas.
É fundamental destacar que o contexto de violência, dentre vários fatores, é atravessado e alimentado por questões relacionadas à desigualdade de gênero, a intolerância diante da diversidade sexual e a discriminação devido à orientação sexual. Somente no ano de 2020, no Ceará, 58 pessoas LGBTQIA+ foram assassinadas[1]. De acordo com a Rede de Observatórios da Segurança, 47 mulheres foram vítimas de feminicídio[2]. Com relação especificamente a crianças e adolescentes (0 a 17 anos de idade), os dados do Comitê de Prevenção e Combate à Violência da Assembleia Legislativa do Ceará revelam que durante o período de janeiro a outubro de 2020 foi registrado quase o dobro de homicídios de adolescentes do sexo feminino (44), em comparação ao ano de 2019 (23) para o mesmo período[3]. Constatou-se ainda que a maioria das jovens são mortas sobretudo por causa de relações afetivas (amorosas, de amizade ou familiares)[4].
Evidenciamos também que tais medidas violam a Constituição Federal (CF), na medida em que a censura às temáticas de gênero, sexualidade e orientação sexual nas escolas viola a liberdade constitucional de ensinar, aprender, divulgar o pensamento, a arte e o saber e impede o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas (artigo 206, incisos II e III, da CF). Ademais, a censura nas escolas é incompatível com as liberdades fundamentais de opinião e pensamento (artigo 5º, inciso IV, da CF). Além disso, crianças e adolescentes têm direito a viver a salvo de toda forma de discriminação, violência e opressão (artigo 227 da CF), bem como tem direito ao conhecimento e à proteção que os estudos escolares sobre gênero e sexualidade proporcionam.
Discutir gênero e direitos sexuais na escola é um fator protetivo e possibilita produzir novas relações sociais em que crianças e adolescentes conhecem seus direitos e sabem identificar as violências. Além disso, não abordar esses temas oculta e aumenta os índices de violência doméstica e de violência sexual que acontecem no âmbito intrafamiliar. Destaca-se que, nessa perspectiva, o Plano Decenal Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes estabelece como uma de suas ações a “promoção de ações educativas/formativas nos espaços de convivência de crianças e adolescentes para a prevenção ao abuso e/ou exploração sexual de crianças e adolescentes visando garantir os seus direitos sexuais, observando temas transversais como gênero, raça/etnia, orientação sexual, etc”.
Nossa solidariedade com o deputado estadual Renato Roseno, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Ceará, por defender a promoção da equidade e igualdade étnico-racial e de gênero. Por fim, nossa posição parte da compreensão de que o Estado tem o dever de zelar pelas liberdades fundamentais, pelos direitos humanos e de atuar por meio de políticas públicas educacionais para a prevenção e o enfrentamento de todas as formas de discriminação e violência com fundamento em gênero e orientação sexual. Não podemos permitir que nossa sociedade continue a reproduzir o preconceito e a discriminação. As meninas e os meninos têm o direito de viver verdadeiramente livres do machismo, da LGBTfobia e sem violência.
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Assinam esta carta:
Ação Educativa – Assessoria, Pesquisa e Informação
AFRONTE
Articulação de Mulheres Brasileiras – AMB
Associação de Professores de Ensino Religioso do Ceará – ASPERCE
Associação Nacional Criança Não É de Rua
Associação Beneficente O Pequeno Nazareno
Associação Santo Dias
Bando Somos Todas Marias
Casa Paz e Bem Lar São Francisco de Assis
Casa da Poeta
Centro de Assessoria Jurídica Universitária – CAJU
Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará – CEDECA Ceará
Centro de Defesa da Vida Herbert de Sousa – CDVHS
Cia Viv’arte
Coletivo Alium Resistência
Coletivo Flor no Asfalto
Coletivo LGBT Comunista
Coletivo Juntos
Coletivo TransPassando
Coletivo Vozes de Mães e Familiares do Sistema Socioeducativo e Prisional do Ceará
Comitê Ceará da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos – CEDDH
Fábrica do Bem
Fórum Cearense de Mulheres – FCM
Fórum de Juventude de Sobral
Fórum de Cultura do Grande Bom Jardim
Fórum Permanente das ONGs de Defesa dos Direitos de Criança e Adolescente – Fórum DCA
Fórum Popular de Segurança Pública do Ceará
Fórum de Educação de Jovens e Adultos do Ceará – Fórum EJA Ceará
Fórum de Negres do Curso de Ciências Sociais – UFC
Integrasol
Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operária – IMO/UECE
Instituto Terramar
Instituto Terre des Hommes
Instituto Maria do Carmo
Instituto Negra do Ceará
Movimento Cada Vida Importa
Movimento Negro Unificado
Movimento de Mães da Periferia de Vítima Por Violência Policial do Estado do Ceará
Movimento de Mães do Curió
Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisa sobre a Criança – NUCEPEC
Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária
Núcleo de Estudos e Pesquisas em Diversidade Sexual (NUDISEX) da Universidade Estadual de Maringá – UEM
Partido Comunista Brasileiro – PCB (CE)
Rede Emancipa – Movimento Social de Educação Popular
Rede de Mulheres Negras do Ceará
Rede de Juventude do Ceará
Rede Desenvolvimento Sustentável do Grande Bom Jardim – Rede DLIS
Rede de enfrentamento à violência do Bairro Ellery
União Nacional dos Estudantes – UNE
RUA – Juventude Anticapitalista
Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Ceará – Sindjorce
Sindicato Unificado dos Profissionais em Educação de Maracanaú
VIESES-UFC (Grupo de Pesquisas e Intervenções sobre Violências, Exclusão Social e Subjetivação)
[1] Disponível em: <https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2021/05/17/58-lgbts-foram-assassinados-no-ceara-em-2020.ghtml>. Acesso em: 28/06/2021.
[2] Disponível em: <https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2021/03/04/47-mulheres-foram-vitimas-de-feminicidio-em-2020-no-ceara-diz-relatorio.ghtml>. Acesso em: 28/06/2021.
[3] Disponível em: <https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/seguranca/numero-de-meninas-mortas-em-2020-e-91-maior-do-que-2019-no-ceara-1.3019294>. Acesso em: 28/06/2021.
[4] Disponível em: <https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/seguranca/mais-da-metade-das-meninas-mortas-em-2018-no-ceara-haviam-sido-ameacadas-1.2992580>. Acesso em: 28/06/2021.