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Por que o Teto de Gastos precisa ser revogado agora

O CEDECA Ceará e outras diversas organizações de direitos humanos entraram na noite desta terça (18/03) com pedido no STF para a suspensão imediata da Emenda Constitucional 95 de 2016 (do Teto dos Gastos). 

A ação é necessária, argumentam as organizações, devido a pandemia do novo coronavírus no Brasil colocar em risco o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS); a garantia da proteção integral de crianças e adolescentes; e afetar diretamente e desproporcionalmente aqueles indivíduos que vivem nas situações mais vulneráveis, acentuando as desigualdades sociais e regionais.

Atualização: A ministra do STF Rosa Weber determinou nesta sexta (20/03) que o Poder Executivo preste informações sobre impacto do teto de gastos federais no combate ao COVID-19 (coronavírus) no Brasil.

As organizações alegam que somente a complementação de recursos por meio de créditos extraordinários não conseguirá restabelecer a condição dos sistemas públicos de atender a população afetada. 

“Os efeitos são de médio e longo prazo e os créditos extraordinários serão insuficientes para enfrentar tamanha fragilidade do sistema”, afirma Eloisa Machado, advogada do grupo de entidades, vinculada ao Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos – CADHu.

As organizações destacam ainda que as políticas sociais vivem hoje um quadro de profunda deterioração com os cortes de financiamento ao mesmo tempo em que a demanda por atendimento cresce com o aumento acelerado da pobreza e da extrema pobreza decorrente da crise econômica e da precarização das relações de trabalho.

A petição também é assinada por Conectas Direitos Humanos, Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Cedeca Ceará e Fineduca (Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento Educacional), com amplo apoio de fóruns nacionais, redes de sociedade civil, movimentos sociais e instituições acadêmicas. 

Além da suspensão, a petição destaca a importância de um plano de ação emergencial de enfrentamento da pandemia com ações de saúde, segurança alimentar, assistência social e educação, que inclua a garantia de bolsa alimentação escolar nacional para estudantes que ficarão sem a merenda escolar no período de interrupção das aulas por causa da pandemia de COVID-19.

Por que revogar a  Emenda Constitucional 95?

Os efeitos das emendas nesses quatro anos de vigência já foram drásticos e ganham maior proporção no atual contexto de pandemia. Segundo dados do Conselho Nacional de Saúde, o orçamento federal da saúde perdeu aproximadamente 20 bilhões apenas no último ano (2019).

O que isso tem a ver com o novo coronavírus?

Num contexto de surto, o País vai precisar de mais recursos para a saúde. A Emenda Constitucional retirou dinheiro de áreas essenciais, como verba para leitos de UTI, diminuindo as condições do Sistema Único de Saúde de operar em meio à pandemia da COVID-19. 

Dados do Conselho Federal de Medicina de 2018 indicam que apenas 10% dos municípios brasileiros possuem leitos de terapia intensiva; além disso, a maior parte está concentrada no Sudeste (53,4%). 

Como isso afeta a nossa vida?

A falta de recursos em direitos sociais (saúde, educação, assistência social) agrava ainda mais as condições de saúde para a maior parte da população brasileira que se encontra desempregada ou em relações de trabalho extremamente precarizados (entregadores de comida, motoristas de aplicativos, por exemplo).

Essa parcela da população vai vivenciar um cotidiano ainda mais dramático para garantir a sobrevivência familiar, o que afeta de forma mais perversa a vida de milhões de crianças e adolescentes. 

Nesse sentido, não somente as medidas no âmbito da saúde serão determinantes para minorar os danos causados, mas também serão necessárias ações emergenciais na área de assistência social e de segurança alimentar. 

Como isso atinge crianças e adolescentes? 

A pandemia de coronavírus tem levado várias redes de ensino público a suspender as aulas escolares em todo território nacional. Com o fechamento das escolas, muitas famílias não terão onde deixar suas crianças para trabalhar e muitos estudantes ficarão sem alimentação escolar, intensificando a vulnerabilidade das famílias e aumentando a fome em todo o país. As merendas ocupam função importante no dia a dia de muitas crianças e adolescentes. 

Segundo informações do IBGE, cerca de 9 milhões de brasileiros entre zero e 14 anos vivem em situação de extrema pobreza no Brasil. Além disso, os recursos do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), responsáveis por políticas e programas como a alimentação escolar, o transporte escolar, o Pró-Infância (destinado à construção e reforma de creches) e a compra de materiais didáticos, apresentaram uma redução brutal das transferências de recursos da União, agravado pela EC 95. Manter os efeitos da EC 95 na educação pública é também empurrar crianças e os adolescentes brasileiros para a miséria e a fome.

O que deve ser feito para mudar esse quadro?

É preciso suspender imediatamente a EC 95, obrigando o Congresso Nacional e o Poder Executivo Federal a recompor o financiamento de saúde, de ações de manutenção e desenvolvimento da educação e de ações de assistência social e segurança alimentar por meio da adoção de créditos suplementares, créditos extraordinários ou realocação de recursos em 2020 e na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2021.

Direitos Valem Mais. Seminário em Fortaleza discute impactos do teto de gastos

Só há futuro de direitos sociais garantidos para crianças, adolescentes, jovens e idosos brasileiros com a revogação da Emenda Constitucional 95. As discussões sobre a medida que congelou os gastos com educação, saúde, assistência social e em outras políticas sociais pelos próximos 20 anos foi o tema do Seminário “Direitos Valem Mais. Não Aos Cortes Sociais”, realizado nos dias 10 e 11 de setembro, em Fortaleza. O encontro reuniu organizações, movimentos sociais, sindicalistas, estudantes e demais interessados no tema.

No primeiro dia do evento, foi lançada a publicação “Austeridade e Retrocesso: Impactos Sociais da Política Fiscal no Brasil” com a mesa de discussão “A Emenda Constitucional 95 e os Impactos nos Direitos Sociais”, na Faculdade de Economia, Administração, Atuária e Contabilidade (FEAAC) da UFC.

Ana Luíza Matos abriu os debates explicando as origens e os falsos mitos em torno do termo “austeridade”. Segundo ela, a redução de gastos surge num cenário de crise econômica europeia, e sua aplicação é “ainda mais cruel” em um contexto brasileiro de mais desigualdade, em comparação à Europa. “A austeridade é, nada mais nada menos, do que novas políticas neoliberais com nova roupagem”, resumiu Ana Luíza, doutoranda em Desenvolvimento Econômico pela Universidade de Campinas (Unicamp).

Ainda de acordo com ela, a Emenda Constitucional força uma reforma da Previdência “draconiana” para viabilizar a manutenção de outros gastos públicos, o que pode levar a um cenário em que áreas do orçamento comecem a competir entre si para conseguir ter verbas públicas mínimas. Entre os mitos relacionados ao tema, Ana Luíza citou a falaciosa metáfora que compara o orçamento público ao orçamento doméstico e o mito da “fada da confiança”, ou seja, o pressuposto de que as políticas de austeridade geram confiança nos agentes privados. “O discurso da austeridade é colocado como se economia e dinâmica social fossem opostos. E não são”, comparou Ana Luíza, uma das autoras da publicação “Austeridade e retrocesso”.

Fábio Sobral, professor do Viès, Núcleo de Economia Política da UFC, citou as experiências terríveis que Grécia e Espanha vivenciaram com políticas de austeridade.

“Não há futuro nisso. Ou combatemos ou vamos viver uma situação muito grave”, pontuou Fábio.

O deputado estadual Renato Roseno situou as políticas de austeridade atuais como uma segunda onda dos choques neoliberais no mundo, a primeira delas tendo ocorrido na década de 1990. Ele ressaltou o impacto brutal que as medidas de austeridade atuais imprimem no Nordeste brasileiro e a importância de se denunciar os impactos nas políticas de assistência social em um momento de cortes. Roseno citou ainda os valores de renúncia fiscal para a indústria do governo do Estado (R$1 bilhão, segundo o deputado) e os R$100 milhões de subvenção econômica, ou seja, transferência de dinheiro para empresas em troca de recebimento de voos internacionais.

“Temos dezenas de voos internacionais que passam pelo Ceará, mas continuamos com 1 milhão de miseráveis. Esse é um modelo insustentável sob qualquer ponto de vista”, comparou Roseno.

A presidente da Federação dos Trabalhadores do Serviço Público Municipal do Estado do Ceará (FETAMCE), Enedina Soares, abordou a situação dos trabalhadores municipais de educação e o panorama das escolas e do ensino da rede pública.

“Você está remando contra a maré. É um conceito mesmo de resistência. De garantir que não se perca (os direitos já conquistados)”, argumenta Enedina, que também é servidora da rede municipal de ensino de Caucaia.

Enedina questionou o modelo de ensino das escolas em tempo integral, em que muitos municípios dizem ter escolas e creches que funcionam seguindo esse padrão, mas que são “depósito de crianças”. Ela denunciou também que os “trabalhadores são submetidos a formas muito precárias”, o que resulta em piores condições de trabalho, colabora na falta de estímulos e no adoecimento desses profissionais, que “não contam com nenhuma política pública voltada para suas questões de saúde”.

“O que que vai congelar? Vai congelar o mínimo do mínimo”. Segundo Enedina, com as medidas do congelamento de gastos toda a população perde “e perde muito”. No cenário político como está, com medidas sendo tomadas contrárias às demandas apresentadas pela população, Enedina critica: “Nós temos um monte de vereadores que não sabem fazer uma emenda de orçamento”. Por fim, a professora reforça a importância de estar em espaços de debates e não deixar para depois o debate contra a EC95

No segundo dia do evento, a professora Ana Luíza Matos apresentou a origem da palavra “Austeridade” e sua inserção no Brasil, a partir da gestão Fernando Henrique Cardoso (FHC). Além disso, foi debatida a origem da crise econômica e fiscal brasileira, com a nomeação de  Joaquim Levy como ministro da Fazenda. Levy ficou conhecido por encabeçar as medidas de cortes de gastos sociais.

Em seguida, houve divisão de grupos para discussão dos diversos temas do documento  “Austeridade e Retrocesso”, volume II, com posterior apresentação de percepções e análises a partir do texto.

No período da tarde, o professor Fábio Sobral conduziu o momento, e o debate teve como cerne as medidas de austeridade fiscal nos países desenvolvidos e sua inserção nos países em desenvolvimento, sobretudo o Brasil.
Por fim, foram apresentados os materiais da campanha Direitos Valem Mais e discutidas estratégias para a utilização dos materiais em comunidades e grupos de juventude.

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