Antes mesmo de existir a escrita, a poesia já era uma das expressões dos sentimentos humanos por meio da fala. No dia 21 de março é celebrado o Dia Mundial da Poesia, data criada na 30ª conferência geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) em 1999, com o intuito de valorizar esse tipo de manifestação artística humana tão essencial, e que ajuda a expressar sentimentos tão complexos e únicos.
A poesia tem a capacidade de incentivar a valorização de diferentes línguas ao redor de todo o globo, tem o objetivo de colocar para fora o que se tem de mais profundo na psique humana. A criação poética tem salvado vidas, que através de sua arte conseguem oportunidades não apenas de se expressar, como também denunciar suas duras realidades à sociedade.
Nas periferias do Brasil muitos jovens usam a arte como estratégia de evidenciar as mazelas e diferenças sociais alarmantes em que estão inseridos. Leticia Ketlen Brito, integrante do grupo Alium Resistência, coletivo assessorado pelo CEDECA Ceará, expressa a realidade de milhares de jovens periféricos da cidade de Fortaleza através de sua poesia:

“Ninguém vai me acorrentar
enquanto eu puder escrever.
Ver mainha ir pro trabalho sem hora prévia pra voltar das suas 10 horas em pé e só 30 minutos pra descansar.
O que é justo não se aplica pras periferias do Ceará.
O expediente acaba cinco minutos antes do busão passar, vixe, vou me atrasar pra faculdade de novo.
Sem igualdade pra estudar.
Protejam suas crianças que só querem brincar, isso que é luxo pra quem não pode pagar.
E ai delas se adoecerem só com as mães pra cuidar.
É desemprego, descaso, abandono e maltrato às mulheres do Ceará.
Os jovens passam na rua a fim de manifestar com suas vozes e corpas prontos pra reivindicar. Mas quem tá com fome não quer escutar.
A esperança morreu até pra quem está a gritar sobre a desigualdade alarmante que faz o povo chorar. Os que estão de relento, não tem forças pra lutar. Porque quem tem poder não cuida dos pobres do Ceará.”
Sobre o Dia da Consciência Negra, importante na resistência contra o racismo, Francisco Matheus Marçal de Sousa, integrante do coletivo REVIDE, escreveu:

“Feliz dia da consciência negra
Porque a verdade é nua e fria porque sem o meu povo nada existira
Depois de anos meu povo ganhou um dia
Para celebrar e eu acho que é o mínimo depois de vários nos escravizar
Eu só queria o mínimo e agora eu vou ter que me revoltar porque o mínimo não me agrada mais porque eu descobri que minha cor vale muito mais
Nasci pra revidar e é isso que vou fazer
Porque por vários o meu povo tem que se calar Mas hoje não, hoje eu grito porque nasci pra isso e pode pá que se não gastarem da minha revolta pode me matar e me jogue ao mar
E vocês me achar loucão mas só quero fazer igual meu antepassados que prefiram se jogar no mar porque a morte era melhor que a escravidão.”
Sobre a nova geração de vozes atuantes na luta a favor dos direitos humanos, Jamilly Ellen, do coletivo Meraki do Gueto, escreveu:

“Vozes que ecoam
Nós somos o grito que ecoa nas ruas,
Uma geração que não se cala, que não se esconde.
Nossas urgências são muitas, nossas vozes são fortes,
Pedimos justiça, igualdade, e um futuro que não seja a morte.
Morte do nosso povo preto e favelado aquele negligenciado pelo estado.
Nós não vamos mais tolerar a opressão, a violência,
Nós vamos lutar por um mundo mais justo, mais igual.
São as nossas vivências! Chega de carência!
Nossa geração é a geração do agora,
Nós não vamos mais esperar, nós vamos agir.
Nós vamos usar nossa arte, nossa voz, nossa força,
Para criar um mundo melhor, um mundo mais justo.
Então, ouçam nossas vozes, vejam nossas obras,
Sintam nossa força.
Nós somos o futuro, nós somos a mudança,
Nós somos a geração que vai fazer a diferença.
Com a força dos nossos ancestrais que aqui passaram, que nesse chão pisaram,
Eles ainda estão aqui lutando com a gente pela esperança de um futuro diferente pra mim e pra você, pela nossa gente.”
Iasmym Silva, do coletivo Raízes do Bom Jardim, também expressa seus sentimentos por meio da poesia:

“Bem-vindos ao meu viver, bem-vindos a tantos poetizar sem saber.
Será que poétizo certo? E o que é poetizar errado? Será que o cotidiano é só o meu diário ou tantas coisas que a poesia diz porque as vezes fica em um armário.
No meu viver, já vivi muito por aí, as vezes loucamente ou também só incessantemente, é que eu tenho essa loucura por descobrir.
Nesse rodeio do viver entendi que ainda tem muitas coisas pra mim!
Quem saiba um palco seja pequeno para tanta arte que nos aguarda, para lugares que vamos ocupar, para as lideranças que vamos nos auto organizar
Esse viver vai muito além de só existir, idealizo SIM, uma escola com boa estrutura, o acesso a todas para a arte e cultura, e sabe aquele espaço de muito luta? É, a juventude vai ocupar, me dê ao menos essa chance de resistir e existir nesse lugar, já somos esquecidos o suficiente para deixar a luta pra lá.”
Todas essas pessoas jovens são parte de projetos que lutam por seus direitos e suas artes são expressões dessas vontades. O CEDECA Ceará luta diariamente pelos direitos de crianças e adolescentes, principalmente de poderem se expressar, seja por meio de uma poesia, marchas e outros tipos de manifestações. A poesia desempenha um papel e uma significância única através de textos e músicas, capaz de tocar seus ouvintes e provocar urgência.
– Por Ana Rebeca