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Chacina do Curió: Mães de vítimas de violência do Estado encontram governador Elmano, que assume compromissos

Foto: Carlos Gibaja/Governo do Ceará

O Movimento de Mães e Familiares do Curió foi recebido na tarde da última quarta-feira (19/04) no Palácio da Abolição, em Fortaleza, pelo governador do Ceará, Elmano de Freitas. A delegação da Anistia Internacional Brasil, do CEDECA Ceará, Fórum Popular de Segurança Pública, Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará e Defensoria Pública do Ceará, pôde acompanhar o encontro, em avaliação da importância do gesto de acolhida às vítimas por parte do Governo do estado na reunião.

A agenda – que teve início no dia 17 – em si já se mostra histórica e também vitoriosa. Pela primeira vez em quase oito anos, foi possível unir a Defensora Pública Geral, o Procurador-Geral de Justiça do Ceará, bem como promotores e defensores do caso, para que juntos pudessem tratar, em encontro com as mães e familiares das vítimas, assim como das vítimas sobreviventes da chacina, sobre o júri – que tem datas marcada para 20/06, 30/08 e 14/09.

Esta foi a primeira vez, em quase oito anos desde a Chacina do Curió, em 2015, que as mães foram recebidas pelo governador do Estado. Elmano de Freitas ouviu não só as mães, mas os membros das entidades reunidas e firmou compromissos importantes com os familiares e as entidades presentes

Entre os compromissos assumidos pelo governador, destacamos:

1) Reforço na segurança de familiares de vítimas, sobreviventes e testemunhas do caso;

2) Oferta de atenção à saúde integral, que inclui apoio especializado em saúde mental para vítimas da Chacina;

3) Fortalecimento das instâncias de controle interno da polícia, a fim de prevenir novos casos de violência policial.

Como saldo positivo, o Ministério Público cumpriu o compromisso que assumiu em novembro de 2022, designando sete promotores para trabalhar no caso e a Defensoria Pública que atua neste caso como assistente de acusação se comprometeu com as Mães, a Anistia, CEDECA Ceará e com o Fórum Popular de Segurança Pública para fortalecer as defensoras que atuam neste caso.

A Chacina do Curió, foi um episódio sangrento em que dezenas de policiais se dirigiram ao bairro do Curió, na Grande Messejana, periferia de Fortaleza, nos dias 11 e 12 de novembro de 2015 e mataram 11 jovens entre 16 e 19 anos. . O episódio também deixou outras sete vítimas com sequelas físicas e transtornos psíquicos. A investigação da Delegacia de Assuntos Internos (DAI) da Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública (CGD) concluiu que as mortes das 11 pessoas teriam sido cometidas por policiais militares – em serviço e de folga – que se reuniram para vingar a morte de um policial militar.

O Ministério Público do Ceará (MPCE) ofereceu uma denúncia contra 45 policiais militares por participação nos crimes, em um processo desmembrado em três ações penais, sendo dois com 18 réus cada e o outro, com oito. Oito dos 34 dos PMs denunciados pelos crimes da Justiça Estadual irão a julgamento em junho de 2023.

Quando agentes do Estado ingressam em uma periferia e matam indiscriminadamente moradores, eles o fazem com a certeza de que não serão punidos, nem responsabilizados. Agem fora da lei e alimentam um ciclo de violência e brutalidade, onde exercem um poder que nunca lhes fora outorgado. Esta é a face perversa de uma política de segurança pública que desumaniza moradores de periferia e se caracteriza pelo uso excessivo da força, inclusive letal.

A persistência das Mães do Curió, Mães da Periferia, entre tantas outras defensoras de direitos humanos contra a violência policial espalhadas pelo país, que se mantêm em luta na defesa do direito à justiça e à verdade diante do assassinato de filhos e familiares, é o elemento fundamental que tem garantido a memória sobre este – e outros inúmeros casos, renovando esperanças à sociedade civil na busca pela efetivação de uma política de segurança pública pautada na garantia concreta dos direitos humanos, a começar pelo direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Passamos esses oito anos sem ser atendidas. Só o governador Elmano ter recebido as mães já foi muito importante para nós, inclusive perto do julgamento. Isso nos acalenta um pouco, a gente tão encaliçada da dor, com tantos ‘nãos’ e portas batidas. Não aguentamos mais mortes na periferia, precisamos que nossos jovens vivam”, comentou Edna Cavalcante ao fim da reunião.

A Anistia Internacional Brasil, como participante da agenda, celebra o espaço e a abertura que o governador dá para adoção de uma política de segurança pública pautada em inteligência, com mecanismos de controle e responsabilização dos agentes policiais que cometam abusos, especialmente em favelas e periferias.

Cobramos uma política de segurança pública que tenha como base o enfrentamento ao racismo; que seja planejada, desenhada e implementada para reduzir abordagens policiais violentas, com uso excessivo da força e alta letalidade, que afeta de maneira desproporcional os jovens negros que moram nas periferias e que são alvos principais da brutalidade policial, além de exigir avanços na segurança pública no Ceará, por meio da adoção de protocolos e medidas adequados, orientados à redução da letalidade policial no estado. E que o mesmo se torne referencial para todos os demais estados do país.

Em conjunto às entidades locais, reiteramos, contudo, que o controle externo ineficiente da atividade policial e a morosidade no fornecimento de respostas institucionais contribuíram para que o Ceará atingisse a vergonhosa soma de mais de 1,2 mil mortes por intervenções policiais nos últimos dez anos.

Os movimentos Mães do Curió, Mães da Periferia, CEDECA Ceará e o Fórum Popular de Segurança Pública, além da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, saúdam, com esperança, a sinalização de reposicionamento do Governo do Estado em relação às vítimas da Chacina e a política de segurança pública vigente. Juntos, os movimentos seguem exigindo que todas as autoridades competentes, incluindo a Defensoria Pública e Ministério Público, adotem todas as medidas necessárias para garantia dos direitos das vítimas sobreviventes e familiares das vítimas à verdade, justiça, segurança pessoal e cuidados em saúde física e psicológica.

É dever do Governo do Estado garantir medidas concretas e contínuas de proteção e reparação às vítimas, além de prevenção de novos episódios de violência policial no Ceará.

Como bem resumiu o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, Renato Roseno, presente no encontro, toda a sociedade cearense está sob julgamento com o júri do Curió, a ser iniciado em junho, e suas deliberações se tornam respostas efetivas ao país. “Justiça não é vingança. Responsabilizar é produzir respostas”, argumentou o presidente da Comissão. A Comissão tem assumido papel fundamental na articulação da pauta da Chacina do Curió com os demais órgãos de Estado.

#JustiçaPeloCurió

Anistia Internacional Brasil

CEDECA Ceará

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Exposição “Nomes” busca enfrentar uma ferida na história de Fortaleza

Com informações de divulgação da Exposição.

Segue até o dia 20 de novembro a visitação gratuita da exposição Nomes, que propõe momentos de memórias de vida, de confronto com a violência institucional do Estado e de persistência de lutas. A abertura da exposição está marcada para este sábado (05/10), no Sobrado José Lourenço (Rua Major Facundo, 154 – Centro, Fortaleza).

A chacina no bairro do Curió, em Fortaleza, foi o ponto de partida que gerou os trabalhos expostos ao longo de dois andares do Sobrado. No episódio, policiais encapuzados assassinaram onze adolescentes, na noite do dia 11 para 12 de novembro de 2015. A data foi marco de uma violenta intervenção externa na história de um bairro construído em comunidade.

Em um processo de realização coletiva, a exposição busca criar no espaço de um museu elaborações diante da dor e um fortalecimento das lutas já em curso contra a violência institucional. Reunindo documentação histórica, rememoração, performances de si, testemunhos do passado recente e trabalhos artísticos, a exposição busca enfrentar uma ferida na história da cidade, encarando ações de violência que extermina a juventude e, sobretudo, sustentando o ininterrupto gesto de afirmação da vida.

O trabalho mobilizado em Nomes tem um de seus pilares na escuta de mães que perderam seus filhos durante a chacina e em tantos outros acontecimentos de violência institucional do Estado e que persistem uma luta por justiça e por afirmação de uma memória viva. Esse encontro com as mães desencadeou um dos trabalhos instalativos que poderá ser visto na exposição. Pensada como uma roda de conversa, a obra convida cada visitante do museu a se colocar num trabalho atento de escuta das histórias singulares contadas pelas mães, que retomam memórias de infância, de afeto e de sonhos, entremeadas com  a necessidade de elaborar sobre o processo de perda e sobre a obstinada força para reclamar por reparação jurídica e para combater as repetições históricas de crimes dos agentes do Estado. Junto à memória presentificada pelas palavras e gestos das mães, outro espaço convida a mergulhar nas fotografias de família, que carregam a força de nos lembrar, em suas texturas e cenas, as histórias de cada jovem.

Na insistência da vida, duas salas são compostas por trabalhos artísticos que sublinham a potência da arte como força cotidiana. Em um desses espaços, onze atrizes e atores performam suas histórias, transitando entre o pessoal e o coletivo. Em outra sala, quatro artistas do Curió assinalam a variedade expressiva de uma intervenção no presente, que é diária e que insiste na construção da história de um bairro – feito, já em suas bases, da cooperação mútua e da composição de comunidade.

Em conjunto com os processos artísticos e de escutas das memórias de vida, o espaço expositivo também se transforma em lugar para retomar documentos daquilo que não se pode esquecer, para que não seja deixado impune. É assim que o museu também se torna lugar para abrigar uma memória pública, retomada já nas esferas midiáticas, como gesto de sustentar o necessário confronto com a violência do Estado.

A exposição Nomes fica em cartaz durante dois meses e é um projeto apoiado pelo Edital das Artes da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará e pela Vila das Artes da Prefeitura Municipal de Fortaleza. Na composição do processo, o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (CEDECA-CE), o Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência (CCPHA), o Fórum Popular de Segurança Pública do Ceará, a Casa Avoa e tantos outros foram parceiros decisivos nessa construção.

Exposição Nomes

Local: Sobrado José Lourenço (Rua Major Facundo, 154 – Centro)

Terça a sexta das 9h às 17h

Sábado das 9h às 14h

Entrada gratuita

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[ARTIGO] “Eu moro no Curió, onde teve a Chacina”

Uma versão resumida deste texto foi publicada no jornal O Povo, dia 13 de junho de 2017, página 11.

Ângela Pinheiro¹

Sentáramos lado a lado, ela – de 13 anos, que atribuo o nome fictício de Letícia, estudante de escola pública municipal – e eu. O diálogo foi se fazendo, pouco a pouco.

“Onde é que nós estamos? Aqui é do Governo do Estado?” Perguntou-me, apontando para a logomarca, na publicação que recebêramos.

Não. É a Assembléia Legislativa. Você conhece alguém que está na mesa dos trabalhos?

“Não. A senhora sabe por que acabaram com o ABC lá do meu bairro?” “Era tão bom. Eu ia todo dia. Eu tenho é saudade de lá”.

Será bom que você pergunte e diga isso para alguém do Governo. Está vendo aquela senhora na mesa [dos trabalhos], vizinho ao senhor [Presidente da Assembléia] que está falando? É a Vice-Governadora. Ela poderá responder.

Assistíamos a mais uma iniciativa do Comitê Cearense de Prevenção a Homicídios de Adolescentes (CCPHA) – integrado pela Assembléia Legislativa, Governo do Estado e UNICEF. Resultados de pesquisa feita com familiares de adolescentes que foram mortos estavam sendo apresentados por seus coordenadores. Estarrecedores dados, que nos colocam em grotesco primeiro lugar como Estado e como cidade (Fortaleza), onde mais se mata adolescentes no Brasil.

Quando se abordava gravidez na adolescência, Letícia me disse: “é igual lá em casa. Minha mãe teve a minha irmã quando ela tinha 15 anos”.

Mais adiante, com uma expressão contraída e a seriedade que crianças e adolescentes costumam assumir, Letícia voltou a puxar conversa:

“Eu moro no Curió, onde teve a chacina. Uns amigos meus estavam no meio da rua, os policiais chegaram, mandaram eles se ajoelharem e atiraram na cabeça deles”.

Extremamente tocada com o relato espontâneo de Letícia, indaguei: E você viu isso acontecer?!

“Não! Eu estava na minha casa e ninguém podia sair, porque podia ser morto também. A maioria dos que foram mortos tinha 16 e 17 anos, e eram da nossa escola. Um menino morreu na frente da casa dele”.

Era seu amigo?

“Não, era conhecido, ele era muito popular. Ele estava com um amigo, aí o policial chegou, mandou ele se ajoelhar e matou ele [sic]. Era o Pê. Agora, a banda da nossa escola se chama Pedro Vitor Alcântara”.

Quedei-me calada, por alguns instantes, refletindo sobre a nossa conversa, que me fez relembrar tantos diálogos que temos tido no CCPHA, no correr do último ano e meio, em busca de compreender essa brutal realidade de assassinatos de adolescentes, e de formular recomendações que, de fato e de direito, signifiquem um real enfrentamento dessa vergonhosa situação, particularmente pelo Poder Público.

E estávamos ouvindo exatamente a Recomendação 2 (Ampliar a Rede de Programas e Projetos Sociais de Prevenção para Adolescentes Vulneráveis ao Homicídio), quando minha vizinha perguntou, sob um sorriso tímido:

“Vão criar um novo Projeto no meu bairro em lugar do ABC?!”

E, de imediato, acrescentou, agora com a fisionomia contraída: “Sabia que o CRAS lá do bairro não está fazendo nada, faz é tempo? É porque faz uns dois meses que não tem nem água nem luz lá. Aí, não dá pra funcionar”.

Antes que pudéssemos prosseguir o diálogo, Letícia e seus companheiros de escola foram chamados por uma das professoras. Era hora de voltar, o ônibus que os trouxera não podia sair depois de 11h.

Despedimo-nos rapidamente, dizendo-nos nossos nomes e como tinha sido bom nos conhecer.

Fiquei cabisbaixa por algum tempo, lágrimas nos olhos e coração pulsando aceleradamente. Como ficar inerte diante da dor e da lucidez estonteantes de Letícia, que expressara, em tão rápido contato, tanto do que a pesquisa nos revela, tanto de anseios e demandas dos adolescentes por Vida, por Dignidade?

Grata, Letícia. Nossa conversa está vívida em mim, me faz mais e mais responsável e sensível. Quero seguir e seguir e seguir.

¹Professora da UFC, integrante do Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisas sobre a Criança (NUCEPEC/UFC). a3pinheiro@gmail.com

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