Artigo – Violência Globalizada

Notícia veiculada, na imprensa nacional e internacional, me chama a atenção: estudos efetivados por Universidades da Grã-Bretanha e dos EUA apontam para a prevalência de violência contra a criança, na proporção de dez para uma que sofre maus-tratos, em escala mundial, independentemente do nível de desenvolvimento econômico dos países.

Em verdade, os dados apenas reiteram conclusões de estudo da ONU, divulgado em 2006 e coordenado pelo Especialista Independente Paulo Sérgio Pinheiro, respeitado cientista social brasileiro, que já alarmava: “em todas as regiões (do mundo), contradizendo obrigações de respeito aos direitos humanos e às necessidades de desenvolvimento da criança, a violência contra crianças é fenômeno socialmente aprovado e frequentemente legal e autorizado pelo Estado…(…) esse tipo de violência ainda prevalece em todos os paises do mundo e está presente em todas as culturas, classes, níveis de escolaridade, faixa etária e origens étnicas”.

Atos violentos contra a criança têm provocado amiúde reações de indignação, no decorrer da história da humanidade. Ao mesmo tempo, permanecem entre nós alguns valores que favorecem tal fenômeno. Um parece-me lamentavelmente persistente (ou mesmo “teimoso”): a equivocada consideração por nós adultos de que determinados atos violentos funcionam como limites necessários à educação de crianças e mesmo de adolescentes. Assim justificados, admoestações, discriminações, palmadas, beliscões e toda a sorte de castigos físicos continuam a ser perpetrados, sob o disfarce de método disciplinar. Sua concretização se dá principalmente por pais, mães e responsáveis, e também, não raras vezes, por educadores, tanto em estabelecimentos de ensino, como em instituições públicas voltadas para o atendimento da criança e do adolescente, como são exemplo os Centros Educacionais, encarregados de receber adolescentes em conflito com a lei.

Casos extremos de violência contra a criança têm comovido o Brasil, com certa freqüência. Em março de 2008, a morte da menina Isabella Nardoni, de cinco anos, em edifício de classe média na cidade de São Paulo, levou o País a lágrimas e protestos, exigindo justiça e punição dos principais suspeitos, seu pai e de sua madrasta, sob cujos cuidados Isabella se encontrava por ocasião do crime.

Os holofotes da mídia, contudo, longe estão de dar conta das práticas infelizmente rotineiras e alarmantes de violência contra a criança e o adolescente: em plena crise de sustentação econômico-financeira da civilização do capital e da vigilância, em plena era da informatização de dados e imagens, atentados à integridade física e à dignidade de crianças, como os anunciados pelos estudos acima referidos, seguem subnotificados, e mesmo com providências pífias, diante da alarmante dimensão que o fenômeno assume

Sua ocorrência assume capilaridade tamanha que requer providências igualmente disseminadas no tecido social, de tal forma a conseguir detectar das manifestações centrais às mais longínquas, trazendo à tona, ao debate público, as bases culturais e psicológicas que lhes dão sustentação.

É sempre bom lembrar que o agressor da criança é, no mais das vezes, um adulto a quem cabe, paradoxalmente, cuidar, proteger e educar a criança. É preciso, pois, incrementar ações que ultrapassem esse entrave, através do desvendamento das relações que circundam as crianças vítimas de maus-tratos, posto que o objetivo é o enfrentamento da violência contra a criança.

Para tanto, é hora, mais do que nunca, de capacitação técnica dos agentes sociais que podem detectar precocemente e intervir acertadamente, diante da ocorrência da violência contra a criança. Há pelo menos três âmbitos de atuação do Poder Público que favorecem essas ações: as instituições e serviços de educação, de saúde e de assistência social

Dados há de sobra para nos darmos conta, o mais imediatamente possível, de que o enfrentamento da violência contra a criança é inadiável. Urge a desnaturalização do fenômeno.

Por Ângela Pinheiro, Professora da UFC, associada do CEDECA Ceará e integrante do NUCEPEC/UFC (Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisas sobre a Criança).

 

 

 

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