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Silvio Almeida visita Ceará para monitoramento das Medidas Cautelares do socioeducativo da CIDH

Na terceira etapa da Caravana de Direitos Humanos pelo Brasil, o ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, se reuniu na sexta-feira, 17, com o CEDECA Ceará, Fórum DCA e ANCED. As três instituições são peticionárias na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em denúncia contra o sistema socioeducativo local datada de 2015.O encontro fez parte da agenda de monitoramento de medidas cautelares emitidas pela CIDH ao Estado Brasileiro e que não foram integralmente cumpridas até agora. Após ouvir os peticionários na sede do CEDECA Ceará, Silvio Almeida e sua comitiva visitaram as unidades socioeducativas que são alvo das denúncias – São Miguel, São Francisco, Patativa do Assaré e Dom Bosco – além da unidade feminina Aldaci Barbosa. Em seguida uma nova reunião foi realizada, dessa vez na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece), com a presença do governo estadual e sistema de justiça.

 

Violações continuam

A coordenadora geral do CEDECA Ceará, Mara Carneiro, afirmou que houve avanços desde 2015, mas que violações seguem acontecendo. “A nossa equipe que esteve hoje unidades destaca várias situações que permanecem e que precisam ser vencidas. Por exemplo, acesso à água para descarga, limitação de água para beber, a violência contra os jovens dentro das unidades, as revistas vexatórias com meninos e meninas desnudas cinco ou seis vezes por dia, adolescentes com adoecimento mental. Nós muitas vezes já escutamos que o sistema do Ceará talvez seja o melhor do Brasil. Nós não podemos ter o melhor porque o resto é muito ruim. Nós queremos que todos os sistemas cumpram o que está no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). É por isso que a sociedade civil vai trabalhar. Enquanto tiver um adolescente torturado, nós vamos continuar a denunciar. Enquanto tiver um adolescente que não está bebendo água num calor, nós vamos continuar a denunciar. Enquanto tiver um adolescente que está de forma quase que ilegal, que por uma questão de saúde não deveria estar neste sistema, nós vamos continuar a denunciar”, reforçou.

Estado do Ceará e tortura

A presidente do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (CEPCT), Marina Araújo, falou da recomendação da Associação de Prevenção à Tortura (APT) ao governo do Ceará para que a minuta de Projeto de Lei que cria o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura seja enviada com urgência à Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece) . Segundo ela, a proposta tem apoio do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE), Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE) e Procuradoria Geral de Justiça (PGJ) do Estado do Ceará. A tortura é uma violação que ocorre nos sistemas socioeducativo e prisional cearense, com frequente denúncias ao sistema de justiça e à sociedade.

Plano de trabalho

A coordenadora geral de Políticas Públicas Socioeducativas na Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNDCA/MDHC), Mayara Souza, deixou uma proposta de trabalho de retomada do monitoramento da Corte em relação as medidas cautelares. “Ele foi construído a partir de muita escuta das partes peticionárias e da SEAS. É importante lembrar que os direitos de crianças e adolescentes são absoluta prioridade prevista na nossa Constituição Federal. Quando a Caravana dos Direitos Humanos prioriza e dá atenção ao sistema socioeducativo, está materializando nosso dever constitucional de priorizar os direitos em todas as situações e circunstâncias, como é o caso dos adolescentes em atendimento socioeducativo”. Mayara anunciou ainda a retomada dos levantamentos de dados do SINASE que há seis anos não é realizado.

Governo federal garante apoio para cumprimento das cautelares

Segundo a secretária nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Isadora Brandão, o governo federal espera deflagar um processo permanente de ação conjunta em torno do cumprimento das medidas. ” O Ministério quer dar todo apoio necessário para que esse trabalho seja possível e exitoso. Nossa presença tem espírito colaborativo e contributivo para alavancar a pauta para o nível de importância que ela deve ter e trazer o Ministério como parceiro”, disse Isadora. “Esse momento com Tribunal de Justiça, Defensoria, Ministério Público, é importante pra gente ir definindo uma estratégia comum de atuação em relação a essas questões que não desconsidere o trabalho de muitos anos que muitos dos aqui presentes já desenvolvem”, destacou.

Assessoria CEDECA Ceará, com informações da Ascom do MDHC

Foto: Gabriela Catunda – Ascom/MDHC

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Câmara Municipal de Fortaleza homenageia os 29 anos do CEDECA Ceará

Uma sessão solene na Câmara Municipal de Fortaleza (CMFor) celebrou os 29 anos do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (CEDECA Ceará), homenagem proposta pela vereadora Adriana Gerônimo (PSOL), da mandata coletiva Nossa Cara, que presidiu a sessão. Também integram a mandata coletiva Lila Salu e Louise Santana.

“O CEDECA tem atuado na pauta da educação, do acesso à creche, da expansão dos berçários públicos da nossa Cidade. Atuam também na pauta da defesa dos adolescentes em medidas socioeducativas, sobretudo na defesa das garantias dos direitos humanos, no que tem referência com as crianças e os adolescentes. É momento de reconhecer esse trabalho que é fundamental, inclusive, para as políticas públicas que a gente construiu até hoje e, também, do controle orçamentário”, ressaltou a parlamentar.

A coordenadora adjunta do CEDECA Ceará, Marina Araújo, lembrou do momento histórico no Brasil em que o CEDECA Ceará foi criado e enfatizou o compromisso da instituição com a luta pela garantia dos direitos humanos. “O CEDECA é uma inovação democrática. Ele surge, sobretudo, com o Estatuto da Criança e do Adolescente e a gente tem orgulho dizer isso. O CEDECA até hoje, tem que atuar na luta e no enfrentamento aos homicídios, sobretudo, da juventude negra, da periferia. A gente acredita também, que juntos e juntas, em movimento, a gente deve lutar pela educação pública de qualidade. Atua, ainda com grupos organizados, pelo acesso à justiça e por direitos de quem está privado de liberdade. A gente quer territórios com orçamento adequado, com políticas sociais e direitos garantidos”, disse.

Na sessão também foram homenageados o Fórum DCA, Fórum Popular de Segurança Pública, o coletivo Mães e Familiares do Curió, o coletivo Vozes de Mães e Familiares do Socioeducativo e Prisional, a Associação Santo Dias, o Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza (CDVHS), os coletivos de jovens Alium Resistência, Meraki do Gueto e Raízes do Bom Jardim.

Foto Mateus Dantas / CMFor
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Ministro Silvio Almeida se reúne com movimentos sociais e instituições de direitos humanos no Ceará

O ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, recebeu a Análise do Contexto de Criança e Adolescentes: Violações e os Desafios para a Garantia de Direitos Humanos, elaborada pelo CEDECA Ceará e publicada em 12 de outubro. O documento foi entregue durante visita ao Ceará no último dia 27 por Carla Moura, assessora técnica do CEDECA Ceará e integrante da coordenação do Fórum DCA.

Carla Moura expôs ao ministro Silvio Almeida o grave problema dos homicídios de crianças e adolescentes no estado do Ceará. “Foram quase 3 mil homicídios de pessoas na faixa etária de 0 e 18 anos entre os anos de 2017 e 2022. Até agosto de 2023, foram 165 mortes”, destacou. A representante do Fórum DCA disse ainda que o estado do Ceará tem um modelo de segurança pautado pela ostensividade, sem pensar na segurança pública preventiva. “Fazemos análise do orçamento público e isso fica evidente”, afirma.

Já Marina Araújo, coordenadora adjunta do CEDECA Ceará e presidenta do Comitê Estadual de Combate à Tortura (CEPCT), trouxe para reunião outro assunto extremamente grave. “Viemos apresentar o triste cenário em que se encontra o estado do Ceará. Nós parabenizamos o governo federal por rearticular o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e também por pressionar os governos estaduais para atuarem de modo mais efetivo no enfrentamento a esse tipo de violência dentro das unidades prisionais e socioeducativas”, disse Marina Araújo.

Segundo Marina, os casos de tortura e mortes de pessoas em privação de liberdade não são novidades e que ao longo dos anos inspeções realizadas pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Conselho Nacional do Ministério Pública (CNMP) apontaram para essas violações, sendo elas de conhecimento do governo e sistema de justiça. Só no Sistema Socioeducativo, foram 20 mortes entre 2008 a 2022. A presidente do CEPCT também ressaltou que uma minuta que cria o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura aguarda há cinco para ser enviada pelo governo estadual à Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece). “É inadmissível que mesmo diante da crise do sistema prisional, o governo estadual não encaminhe essa proposta”, avalia Marina.

Silvio Almeida ressaltou o compromisso institucional com as reivindicações e que “todos estamos trabalhando por uma reconfiguração da ideia de direitos humanos no Brasil”. O ministro disse ainda que tudo o que ouviu o faz pensar naquilo que os velhos lutadores e as velhas lutadoras de direitos humanos sempre colocaram como sendo o ponto de apoio de toda a política nacional de direitos humanos: memória, verdade, justiça e não repetição. “Há uma relação direta entre desigualdade, pobreza, exploração econômica, trabalho precário, assassinato, racismo.  Isso é o que o Brasil produziu ao longo do tempo. Qual é o nosso papel? A gente precisa se contrapor a isso”, reforçou.

Também participaram da reunião com o ministro Silvio Almeida os movimento Mães e Familiares do Curió, Mães da Periferia, Vozes do Sistema Socioeducativo e Prisional, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Conselho Penitenciário, escritório de Direitos Humanos Frei Tito de Alencar, Unicef Ceará, Comitê de Prevenção e Combate à Violência da Alece, dentre outros.

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Julgamento da Chacina do Curió entra na terceira fase

Começou na terça-feira, 12, o terceiro júri do Caso Curió com mais oito policiais sentando no banco dos réus. A nova fase começou quatro dias depois de o Tribunal de Justiça do Ceará absolver os oito réus no segundo júri do Caso Curió que durou nove dias. O Ministério Público recorreu da decisão.

Com um total de 33 policiais militares acusados de envolvimento de 11 execuções na Chacina do Curió, ocorrida em Fortaleza no ano de 2015, é o maior caso da história da justiça cearense. Outros 13 policiais ainda não têm data para serem julgados. Na primeira sessão, em junho, quatro policiais militares foram condenados a 275 anos e 11 meses cada um. São eles: Antônio José de Abreu Vidal Filho, Marcus Vinícius Sousa da Costa, Wellington Veras Chagas e Ideraldo Amâncio.

Na chacina, foram vítimas de homicídio Alef Sousa Cavalcante, 17 anos; Antônio Alisson Inácio Cardoso, 17; Francisco Enildo Pereira Chagas, 41; Jandson Alexandre de Sousa, 19; Jardel Lima dos Santos, 17; José Gilvan Pinto Barbosa, 41; Marcelo da Silva Mendes, 17; Patrício João Pinho Leite, 16; Pedro Alcântara Barroso, 18; Renayson Girão da Silva, 17; e Valmir Ferreira da Conceição, 37

Mães do Curió seguem firmes na luta por justiça

Silvia Helena Pereira de Lima, 57 anos, mãe de um dos sobreviventes, e tia de Jardel Lima dos Santos, 17, um dos mortos, diz que as famílias seguem firmes mesmo diante da absolvição dos reús no segundo júri. “A gente se sente injustiçada porque a gente busca por justiça, mas isso também não abala nossa vontade que essa justiça aconteça. Muito pelo contrário, a gente está mais firme, querendo mais e mais seguir nessa luta”, declarou em coletiva.

As rede de instituições que apoia a luta das famílias vítimas da chacina também segue acreditando na justiça, como afirma Mara Carneiro, coordenadora geral do CEDECA Ceará. “Como instituição que acompanha o caso há 8 anos, não sozinha mas em uma grande rede com outras organizações, agradecemos muito o trabalho do Ministério Público e da Defensoria Pública. Nós acreditamos na justiça e no trabalho de investigação que foi feito até aqui. Queremos dizer para essas mães aqui, que são a nossa fortaleza, que nos ensinam todo dia o que é transformar o luto em luta, que vocês não estão sozinhas. Esse movimento que passou oito anos com as Mães do Curió vai permanecer junto até o último réu ser julgado e de fato chegar a justiça”

ONU, Anistia Internacional e governo federal acompanham o caso

Um dos observadores do Caso Curió é o vice-presidente do Comitê de Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU), Luis Pedernera.“Acompanhando a luta das mães e é muito importante o que está acontecendo aqui no Ceará no que diz respeito a luta contra a impunidade em casos de violência policial. O Brasil tem uma grande dívida nessa questão e já recebeu recomendações para acabar com esse problema. Hoje o Ceará vive um momento histórico com esses julgamentos que podem ser um grande passo contra a impunidade”.

Representando também um olhar internacional, Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional Brasil, destacou que a união das autoridades do Legislativo, do Executivo e do Judiciário pode permitir que o Ceará vire a página da omissão e da impunidade. “O Ceará e o Brasil são conhecidos pela alta letalidade policial e impunidade. Eu tô aqui acompanhando um momento histórico. É um momento em que a união das autoridades e da sociedade civil, o que está acontecendo aqui é exemplo para o Brasil e para o mundo. A gente pode passar uma mensagem de que a dignidade das vítimas e suas famílias devem ser respeitadas. Essa luta não vai fazer com que os filhos e os companheiros retornem, mas pode ajudar com que outras famílias não passem pelo que essas estão passando”.

Fernanda Oliveira, coordenadora geral de Combate à Tortura e Graves Violações do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, esteve nos dois julgamentos até agora. “Nós acompanhamos o caso e fica muito nítido que quando há o compromisso em apurar um fato essa apuração acontece com qualidade, o que garante que as pessoas acusadas tenham o direito à ampla defesa e ao contraditório. É um momento importante porque é uma demonstração de avanço na nossa democracia e os movimentos sociais do Ceará com as Mães do Curió são os protagonistas desse processo”, destaca.

Também pela segunda vez no julgamento, o Ouvidor Nacional dos Direitos Humanos e Cidadania, Renato Teixeira, diz que “é importante nesse momento de escalada da violência policial no Brasil que o Ceará a partir da sociedade civil, dos familiares das vítimas e do Tribunal de Justiça possa sinalizar um caminho que visa a democracia, justiça e paz. É um trabalho pedagógico para que nós que acompanhamos outros casos em outros estados podemos levar como exemplo de boa prática“.

Marivaldo Pereira, secretário de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública, esteve no Fórum Clóvis Beviláqua e pontuou a importância da punição dentro do que diz a lei. “Nada vai trazer a vida dos jovens de volta, mas é importantes para as famílias que o Estado entregue justiça e puna os responsáveis por tirarem a vida desses jovens”, declarou em entrevista.

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CEDECA Ceará aprimora conhecimento em litígio estratégico internacional

O Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDECA Ceará) recebeu em julho o advogado da linha de litígio estratégico internacional da Justiça Global, Eduardo Baker, no terceiro e último encontro de uma agenda de formação interna sobre litigância de casos em instâncias internacionais. O CEDECA Ceará possui um caso e uma medida cautelar na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que inclusive foi alvo de monitoramento neste primeiro semestre pelo governo federal.

A formação ajuda a instituição cearense a redesenhar metodologias de incidência dentro do contexto jurídico e social no qual se encontra. A defesa dos direitos de crianças e adolescentes se faz por diferentes frentes e, estando cientes de que as esferas estaduais e nacionais por vezes não são suficientes para prover a efetivação de direitos, se faz necessária uma atuação interconectada que seja capaz de propagar internacionalmente as nossas demandas por justiça.

Em maio de 2023, o CEDECA Ceará participou em Brasília de reunião solicitada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), onde apresentou evidências que comprovam o descumprimento total ou parcial das sete medidas cautelares (MC 60-15) aplicadas pela CIDH em 2015 ao Estado Brasileiro.

As medidas cautelares 60-15 foram concedidas por meio da Resolução 71/2015, abrangendo as unidades socioeducativas Patativa do Assaré, São Miguel, Dom Bosco e adolescentes oriundos majoritariamente do São Francisco transferidos provisoriamente para o presídio militar de Aquiraz. Destaca-se que a concessão das medidas cautelares teve uma enorme contribuição para visibilizar o quadro de violações de direitos que contorna o sistema socioeducativo do estado do Ceará, especialmente o das unidades indicadas.

Sobre a Justiça Global

A Justiça Global é uma organização não governamental de direitos humanos que trabalha com a proteção e promoção dos direitos humanos e o fortalecimento da sociedade civil e da democracia. Fundada em novembro de 1999, nossas ações visam denunciar violações de direitos humanos; incidir nos processos de formulação de políticas públicas, baseadas nos direitos fundamentais e na equidade de gênero e raça; impulsionar o fortalecimento das instituições democráticas; e exigir a garantia de direitos para as vítimas de violações e defensoras/es de direitos humanos. Estamos organizados em quatro programas temáticos e uma área administrativa, conformando uma equipe multidisciplinar, que realiza suas atividades articulando estratégias de pesquisa e documentação, litigância, advocacy, comunicação e formação.

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Do racismo à violência, quais obstáculos impedem o cumprimento do ECA sobre o acesso à educação

Direito-pilar previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ainda esbarra em questões sociais para ser efetivado na prática

 

“Absoluta prioridade.” Todos os direitos de meninos e meninas devem ser garantidos com essa urgência, como determina uma das legislações mais importantes do Brasil: o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que completa 33 anos neste 13 de julho.

Entre saúde, alimentação, cultura, dignidade e tantos outros está um direito-pilar para o desenvolvimento dos pequenos: a educação, ainda posta em xeque por desigualdades raciais, sociais, de gênero e até de território no Ceará e no País.

 

Diário do Nordeste conversou com estudantes e especialistas para entender como esses obstáculos afetam o presente e o futuro de meninos e meninas cearenses, e o que precisa ser feito para efetivar o ECA na prática.

 

Além do acesso à educação em si, ter liberdade de opinião, expressão, crença e vida em sociedade sem discriminação também são direitos previstos em lei para crianças e adolescentes – cuja ausência gera um “efeito dominó” de violações, inclusive no ambiente escolar.

“Pra falar de desigualdade na escola, podemos começar falando de etnia, raça, sexualidade e gênero. Um grande percentual de quem sofre são pessoas pobres, pretas e LGBTQIA+”, inicia Lavingnia Maciel, 18, estudante da rede pública estadual em Fortaleza.

 

A jovem, que é branca, observa que colegas negros, por exemplo, “têm receio de se posicionar, por medo do bullying moral e físico”, e que situações de racismo e homofobia acabam por afastar os estudantes das salas de aula.

 

“São, em geral, pessoas que vêm da pobreza, os pais nem elaboram essas questões. Mas estamos sempre reforçando esses pontos, alertando os colegas. A escola tem que sensibilizar, falar sobre”, opina Lavingnia.

A adolescente Clara*, 15, que terá identidade preservada, é categórica ao definir quais os dois tipos de desigualdades que mais afetam o ambiente escolar: a racial e a social. “Uma escola é um ambiente em que todos estão pra evoluir juntos, mas muitos ficam pra trás”, introduz a estudante do ensino médio na rede estadual.

 

A escola é a primeira ideia de sociedade que nós temos, e esses problemas os levavam até a desistência dos estudos. Em escola pública isso acontece demais. Muitos alunos têm a cabeça fechada pelo contexto de onde vêm, pelos pais, e reproduzem os preconceitos.

CLARA* 15 anos

 

Além dos problemas de socialização entre si, os estudantes enfrentam ainda fatores externos – que, para Clara*, são os mais graves. “Recentemente, uma facção criminosa que atua no nosso bairro entrou em confronto e avisou que a gente não saísse de casa. Eu vou de carro pra escola, mas as outras colegas não. Muitas deixaram de ir.”

No interior do Estado, outros problemas se somam, como elenca o estudante Pedro*, 17, de Quixadá, no Sertão Central. O nome é fictício, já que ele também terá identidade preservada nesta reportagem.

“Os principais fatores de desigualdade são socioeconômicos, de deslocamento e de saúde. Alunos com baixa renda têm acesso reduzido a serviços e até materiais pro desempenho acadêmico”, cita.

 

“Quanto ao deslocamento, existem muitos municípios com portes territoriais enormes, mas distritos mais perto de cidades vizinhas do que da sede. Os transportes escolares datam de 1980 ou 1990, além da má infraestrutura das estradas rurais”, complementa.

 

Pedro* observa ainda que a deficiência de outras políticas, como saúde, interfere diretamente na educação. “Muitos jovens não têm acesso à saúde de qualidade ou serviços que atendam às necessidades, como as psicológicas, por exemplo, gerando evasão e atraso em relação aos demais, pela perda de aulas e conteúdos”, lamenta o aluno.

 

RACISMO PREDOMINA

Uma das amostras de efeitos práticos das desigualdades se mostrou na pesquisa “Educação na perspectiva dos estudantes e suas famílias”: o número de alunos negros com risco de abandonar a escola por não se sentirem acolhidos era o dobro quando comparado aos brancos.

O estudo foi realizado em 2021 por Itaú Social, Fundação Lemann e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Em entrevista ao Diário do Nordeste, Juliana Yade, coordenadora de Educação Infantil do Itaú Social, aponta que índices e avaliações externas mostram que crianças negras têm menos acesso à escola, permanecem menos na instituição de ensino e finalizam o ciclo escolar com menos qualidade.

 

A perpetuação do racismo tem impacto em diversas dimensões: psicológica, emocional, desenvolvimento das relações interpessoais e na relação das pessoas consigo, explica Juliana Yade.

 

Para combater essa cultura de discriminação, ela explica que é necessário um esforço do Ministério da Educação para criar propostas de implementação de estratégias antirracistas no cotidiano escolar.

“(As escolas) precisam passar por um processo, primeiro, de reconhecimento de que a discriminação é maus-tratos, de que a discriminação tem impacto no aprendizado”, afirma a coordenadora.

O segundo passo é sensibilizar as pessoas. “Mesmo hoje, nem todas as pessoas estão convencidas de que o racismo é letal para a sociedade brasileira. Ele mata simbolicamente e também de forma literal”, complementa. Por fim, deve ocorrer um processo de desconstrução de paradigmas, de falas, de currículos, diz Juliana Yade.

 

DESIGUALDADES NA REALIDADE CEARENSE

 

A falta de equidade quando se fala de raça e educação aparece ainda em dados locais: no Ceará, o número de crianças e adolescentes frequentando a escola na idade ideal é menor entre pretos e pardos se comparado aos brancos.

Em 2022, enquanto 83,4% dos meninos e meninas brancos de 15 a 17 anos cursavam o ensino médio, só 77,6% dos pretos e pardos dessa faixa etária estavam no mesmo nível. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC).

 

 

Desigualdades sociais, de raça e de gênero estão entre as mais evidentes no contexto escolar cearense, como avalia Ingrid Lorena, coordenadora do Núcleo de Monitoramento do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca Ceará).

“Em 2019, segundo a PNAD, 71% das crianças e adolescentes que estavam estudando no Ceará eram negras e negros – e não temos uma proposta de educação antirracista. Os modelos educacionais precisam ser repensados a partir das desigualdades”, lamenta.

 

Se a gente não tiver uma reformulação da educação, teremos não só a evasão escolar, mas também um acesso superficial aos direitos de crianças e adolescentes.

 

Ingrid pondera, ainda, que a carência de equipamentos de educação e de outras diversas políticas públicas em bairros de menor desenvolvimento em Fortaleza, por exemplo, também influenciam na falta de garantia de educação e outros direitos.

“Precisamos pensar a educação do Ceará de forma integrada com outras políticas, como assistência social e segurança pública, para garantir os direitos básicos que o ECA prevê. É necessário um diagnóstico pra compreender quais são os maiores desafios”, destaca, frisando um recorte ainda mais fragilizado: adolescentes no sistema socioeducativo.

“Se conseguimos visualizar esse cenário sensível no Ceará fora do sistema, quando olhamos pro socioeducativo outros desafios aparecem. Temos meninos com baixa escolaridade, fora da escola e grande distorção idade-série”, observa.

 

O QUE O CEARÁ TEM FEITO

 

“Os nossos estudantes estão inseridos na sociedade, e os problemas sociais acabam sendo obstáculos para que eles acessem e permaneçam na escola”, pontua Helder Nogueira, secretário executivo de Equidade e Direitos Humanos da Secretaria de Educação do Estado do Ceará (Seduc).

Fome, racismo, instabilidade familiar, problemas com saúde mental e diversas violências são alguns desses obstáculos encontrados pelos estudantes cearenses. No interior do Estado, o transporte também é uma dificuldade para quem precisa se deslocar em zonas rurais e locais de difícil acesso.

Para amenizar essas desigualdades no acesso e na permanência dos estudantes, Nogueira destaca a importância das escolas de tempo integral para fornecer alimentação e atenção à saúde mental, por exemplo, além da retomada da política de preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). “Nesse pós pandemia, estamos olhando com atenção (para o Enem). Mais de 99% dos alunos da rede estão inscritos”, afirma.

 

Ele também explica que a secretaria executiva propôs um planejamento para a construção de uma escola antirracista. “Todas as nossas ações mais macro, relacionadas a estudantes e professores, pautam de forma central essa questão”, aponta.

 

É o caso do Fórum Regional dos Grêmios Estudantis, que foi realizado em 27 de junho de 2023 com o tema “o protagonismo estudantil e a promoção de práticas de bom convívio escolar para a construção de uma sociedade antirracista”, assim como dos aulões preparatórios para o Enem, em que o papel de negros e negras na sociedade é discutido em questões.

Outra iniciativa, segundo Nogueira, é a “racialização dos dados”. Com isso, ele se refere ao cuidado com a questão racial no preenchimento dos dados trabalhados na secretaria. “Nós olhamos para os dados hoje estabelecendo também esse recorte de gênero e racial.”

 

FONTE: DIÁRIO DO NORDESTE

Escrito por Theyse Viana e Gabriela Custódio |

Foto: KID JUNIOR

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