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Relatório da sociedade civil sobre tortura de adolescentes é apresentado na ONU

Resumo:

– Relatório será apresentando à ONU com objetivo de pressionar o Estado brasileiro pelo fim da tortura e responsabilização dos torturadores.

– Crianças e adolescentes são torturadas na apreensão ou durante a privação de liberdade em unidades do país, com casos já denunciados em instâncias internacionais. Estados contabilizam adoecimento e mortes de jovens vítimas desse tipo de crime.

– Governos estaduais devem criar Mecanismos Estaduais contra esse tipo de crime, como prevê a Lei 12.847/2013.

Assista a um resumo desta pauta neste vídeo explicativo:

Um relatório sobre os casos de tortura e maus-tratos contra crianças e adolescentes no Brasil será apresentado, nesta terça (18/04), durante a 76ª sessão do Comitê contra a Tortura no Escritório das Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra (Suiça).

O evento é a Revisão Periódica do Comitê Contra a Tortura – CAT da ONU. Nele, o Estado brasileiro passará por revisão dos compromissos assumidos pelo país com a ONU, sobre a prevenção contra a tortura.

A denúncia na ONU sobre a tortura no socioeducativo foi tema de uma reportagem do canal Telesur (Confira, em espanhol)

Saiba como foi a ida do CEDECA e do Gajop à ONU neste outro vídeo:

Além da apresentação do relatório, as organizações da sociedade civil também realizarão diálogos com os relatores que farão a revisão, trazendo um pouco do seu olhar sobre o contexto da prevenção e da práticas de tortura existentes no Brasil.

O documento foi elaborado pela Coalizão Pela Socioeducação, a Organização Mundial Contra Tortura (OMCT), o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDECA Ceará) e o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP).

As instituições denunciam ao Comitê Contra a Tortura e outros Tratamentos, Cruéis, Desumanos ou Degradantes da ONU, entre outros pontos, que os centros socioeducativos brasileiros nada se diferem do sistema carcerário em termos de infraestrutura e funcionamento, estando longe de serem um espaço de ressocialização.

A tortura é cometida por agentes socioeducativos ou policiais militares, seja na apreensão seja na atuação/intervenção dentro dos centros. O uso de gás lacrimogênio, cassetetes, balas de borracha e até tasers (armas de choque) como forma de tortura são relatados. Há ainda a permanência da superlotação; pouca ou nenhuma ventilação e luz natural, falta de higiene, violência física e psicológica e falta de acesso a atendimento médico.

“O uso de instrumentos menos letais no interior de unidades socioeducativas é uma realidade em todo país. Tortura, mortes e tratamentos desumanos ou degradantes se repetem em todos os estados, sobretudo porque são adolescentes e jovens negros(as) e pobres, o público que tem sido o alvo de exclusão das políticas publicas ou de extermínio por parte do Estado. No mesmo sentido, temos visto uma tentativa cada vez maior de aproximação do Sistema Nacional De Atendimento Socioeducativo com a segurança pública. Atualmente mais de 10 estados inseriram a Socioeducação nas secretarias relacionadas à segurança pública. Isso tem rebatimento direto na natureza das atividades dos agentes socioeducativos, que já torturam e desumanizam os(as) que estão em privação de liberdade. Aguardamos as recomendações de modo que isso sirva para a nossa incidência política”, diz Thaisi Bauer, Secretária Executiva da Coalizão pela Socioeducação.

Adolescentes algemadas por 12 horas e grávida agredida no Ceará

O Ceará é outro estado com uma situação ainda preocupante no Sistema Socioeducativo. De acordo com dados de vistorias produzidos pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) e Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), 20 jovens morreram dentro do Sistema Socioeducativo Cearense, entre 2006 e 2022.

Em uma das inspeções realizadas pelo CEDECA Ceará, na unidade feminina Aldaci Barbosa, em Fortaleza, constatou-se que o uso das algemas nas adolescentes é uma prática corriqueira, fazendo com que elas fiquem por até 12 horas seguidas algemadas, de cócoras e com braços presos à grade.

As visitas de inspeção às unidades cearenses também comprovaram a existência de “trancas”, como são chamadas as alas onde pessoas internas ficam por até 20 dias sem qualquer contato com as demais, além de outras restrições. Outra grave violação no Ceará é a suspensão do fornecimento de medicamentos das pessoas diagnosticadas com algum transtorno mental como meio de puni-las. Há registro ainda de uma jovem grávida agredida por policiais militares durante a apreensão.

Marina Araújo, coordenadora-adjunta do CEDECA Ceará, lembra que leva o tema do enfrentamento à tortura à ONU ajuda a dar visibilidade a essas situações de violências em um país que vivenciou nos últimos quatro anos o sucateamento e o esvaziamento da política de enfrentamento à tortura no Brasil, o que tornou o sistema nacional de enfrentamento à tortura esvaziado e sem condição de funcionamento.

“A sociedade civil espera que esse processo de incidência gere recomendações e ações efetivas de fiscalização pelo comitê da ONU. Por parte do Estado brasileiro, esperamos o reconhecimento da situação crítica e problemática que é o enfrentamento à tortura no nosso País”, aponta Marina Araújo.

Decapitação e perda de órgão sob tutela do governo de Pernambuco

Entre os relatos frutos de visitas institucionais às unidades socioeducativas perbambucanas, estão os de meninos e meninas com marca de tortura em seus corpos, mantidos em celas por até 23 horas por dia, punidos com menos comida e sem acesso a nenhuma sala de aula ou livros.

Em 2016, em menos de uma semana, onze socioeducandos morreram em duas unidades após violentos distúrbios. De 2013 a 2018, uma série de tumultos e prática institucionalizada de tortura custou a vida de 40 adolescentes sob a responsabilidade do Estado. A maioria dessas mortes foi brutal, por decapitação, desmembramento, tendo algumas sido queimadas vivas. Nos casos mais recentes, em 2021, dois adolescentes tiveram que ser levados ao hospital após serem torturados, um deles teve o baço retirado.

“Em Pernambuco, o que nos chama atenção é que nesse período, de 2013 a 2018, nenhum dos jovens e/ou adolescentes que cumpriam medida socioeducativa de internação respondiam por ato infracional dessa natureza. Mortes com requinte de muita crueldade só aconteceram dentro de unidades, onde os socioeducandos deveriam ter sua integridade física preservada. O acompanhamento da revisão do CAT/ONU pelas organizações da sociedade civil constitui um importante papel no controle social e implicação do Estado Brasileiro nos compromissos assumidos perante organismos internacionais”, aponta Maria Clara D’Àvila, advogada do GAJOP.

Como acabar com a tortura de crianças e adolescentes

As práticas de tortura no socioeducativo brasileiro não são novidades. Em visitas ao Brasil, o Subcomitê de Prevenção à Tortura (SPT) da ONU, em 2015, e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em 2017, constataram um contexto de violência generalizada nas unidades socioeducativas.

O relatório aponta recomendações, com destaque para quatro:

  1. A prevenção aos homicídios

  2. A infraestrutura das unidades e parâmetros do SINASE

  3. A violação dos direitos das meninas

  4. Posicionamento contra a privatização da socioeducação

Estados devem criar Mecanismos Estaduais

No dia 30 de março, a Justiça Federal determinou que o estado do Amazonas implemente o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, no prazo de 90 dias. Entre as funções do órgão está o enfrentamento dessa forma de violência no Sistema Penitenciário amazonense. Por isso, ele deverá contar com estrutura, recursos orçamentários e número de cargos suficientes para realizar visitas periódicas – no mínimo, anuais – a todas as unidades prisionais e locais de custódia do estado.

A sentença atende a pedidos feitos pelo Ministério Público Federal (MPF), em ação civil pública ajuizada no ano passado. Há uma ação no mesmo sentido no estado do Espírito Santo.

Dois dias antes, a secretária de Direitos Humanos do Governo do Estado do Ceará, Socorro França, durante reunião do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (CEPCT), se comprometeu a finalizar o trâmite da Minuta do Projeto de Lei que cria o Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura no Estado do Ceará. O documento está há cinco anos nas mãos do governo estadual, sem receber a atenção que a realidade exige.

SAIBA MAIS

O que é Tortura?

Tortura é todo ato pelo qual são infligidos intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou mentais, com fins de investigação criminal, como meio de intimidação, como castigo pessoal, como medida preventiva, como pena ou com qualquer outro fim. Entender-se-á também como tortura a aplicação sobre uma pessoa, de métodos tendentes a anular a personalidade da vítima, ou a diminuir sua capacidade física ou mental, embora não causem dor física ou angústia psíquica.

O que é um Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura?

Mecanismos estaduais fazem parte do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, instituído pela Lei 12.847/2013, com o objetivo de erradicar no país este tipo de conduta criminosa e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.

O que é um Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura?

Formado por representantes do poder público e sociedade civil, os Comitês Estaduais de Prevenção e Combate à Tortura são estruturas essenciais para reunir os atores e articular as medidas de forma a enfrentar adequadamente as práticas e rotinas que levam à tortura. São competências dos Comitês: acompanhar, avaliar, propor e recomendar aperfeiçoamentos às ações, aos programas, aos projetos e aos planos do tema; colaborar com o Mecanismo; elaborar e publicar relatório das atividades, entre outras competências.

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Falta de investimento aprofunda desigualdade de gênero no Brasil

Estudo produzido pelo CEDECA Ceará, em parceria com a Save the Children, analisou o orçamento da União, Ceará e Fortaleza para meninas

O Brasil não destina recursos públicos suficientes para o enfrentamento de graves violações de direitos humanos de meninas e mulheres adolescentes no Brasil. Essa é uma das conclusões do estudo “Infância, Gênero e Orçamento Público no Brasil”, produzido pelo CEDECA Ceará.

Membros da equipe do CEDECA Ceará vasculharam dados sobre direitos de crianças e adolescentes, com enfoque em gênero, para entender como se dá a insuficiência do investimento público na promoção dos direitos humanos das meninas brasileiras.

[Atualização: Uma versão preliminar da Nota Técnica foi apresentada à imprensa em dezembro de 2019 e a versão diagramada está disponível agora no site do CEDECA Ceará].

Baixe a pesquisa completa com dados referentes ao Brasil aqui 

Leia resumo-executivo da pesquisa lançado pela Save the Children (disponível somente em espanhol) aqui 

No âmbito nacional, foi verificada a redução de recursos empenhados em ações estratégicas ao enfrentamento ao trabalho infantil, que passaram de mais de R$70 milhões em 2014 para menos de R$10 milhões em 2018. A concessão de bolsa para famílias com crianças e adolescentes nesta situação passou de R$7 milhões em 2014 para R$0 em 2018. Nem um centavo foi gasto pelo Governo Federal para ações de fiscalização para erradicação do trabalho infantil em 2018,  também segundo a pesquisa.

Ainda quando se observa o orçamento federal, houve queda dos investimentos em políticas para crianças e adolescentes em porcentagem do PIB de 2017 para 2018. Comparando dados do Instituto Internacional de Estudos da Paz de Estocolmo (SIPRI), a Save the Children concluiu que foi investido, no Brasil, quatro vezes mais recursos na compra de armamentos (5,1% do PIB) do que em políticas para crianças e adolescentes (1,33% do PIB).

No Ceará, o estudo identificou execução orçamentária zero para o “Desenvolvimento das Ações de Redução do Abandono e da Evasão Escolar”, de responsabilidade da Secretaria da Educação do Ceará. Em 2016, o referido programa teve orçamento previsto de R$ 306,6 mil; em 2017, de R$ 50 mil; e em 2018, de R$ 60 mil. No entanto, nos três anos mencionados, o programa teve execução de R$ 0, deixando evidente a ausência de investimento na redução da desigualdade de gênero na escolarização de adolescentes de 15 a 17 anos no Ceará.

Ao desagregar os dados de escolarização, as/os pesquisadoras/es descobriram que as taxas de escolarização no Brasil são mais baixas justamente entre adolescentes de 15 a 17 anos que vivem no Norte e no Nordeste.

Em Fortaleza, cidade brasileira com mais alto Índice de Homicídios na Adolescência (IHA), o Programa Cada Vida Importa, de prevenção a homicídios dessa população, apresentou redução de 96,4% dos recursos previstos para 2018: passou de R$2,2 milhões inicialmente previstos para uma execução orçamentária de ínfimos R$ 79,5 mil.

Destaque-se que Fortaleza registrou aumento de 90,32% no número de meninas de 10 a 19 anos mortas (de 2017 para 2018), enquanto a mesma faixa etária masculina apresentou uma redução de 34,99% no mesmo período.

A pesquisa inédita produzida pelo CEDECA Ceará foi destaque no

Universa Uol e  portal O Povo On-line 

Algumas conclusões do estudo 

Diante das robustas evidências com relação à desigualdade de gênero na infância, chama a atenção a ausência de programas para o enfrentamento de questões como o casamento infantil, a violência sexual (não mais existente no orçamento federal a partir de 2017), a evasão escolar e os homicídios na adolescência no âmbito nacional, além da queda vertiginosa no investimento público nas ações de enfrentamento ao trabalho infantil e na assistência social numa cidade como Fortaleza, emblemática pelo aumento abrupto do número de meninas mortas”.

Os investimentos (federais) em Direitos da Cidadania, área na qual se encontram ações voltadas à promoção, defesa e proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes, reduziram em 20,9% de 2014 a 2018, com queda acentuada de 2016 a 2018, quando a redução consistiu em 49,3%”. 

Dificuldades para acesso aos dados

O estudo enfrentou uma série de dificuldades, tendo em vista que há muito o que se avançar na produção de dados estatísticos desagregados por gênero, idade e raça e outras categorias no Brasil, de forma que cada base de dados utilizada no estudo apresentou vantagens e desvantagens específicas que serão abordadas ao longo do texto

Apresentação dos dados em Nova Iorque (EUA)

Os dados brasileiros compõem um estudo mais amplo, organizado pela Save the Children, com dados do Brasil, Guatemala (em parceria com a Coordenação Institucional de Promoção dos Direitos da Infância – Ciprodeni, na sigla em espanhol) e Peru (em parceria com a Equidad – Centro de Políticas Públicas y Derechos Humanos). A pesquisa revela que a falta de planejamento e de dados diferenciados por gênero afeta especialmente as meninas.

A pesquisa foi apresentada dia 10 de outubro, em Nova Iorque, durante evento paralelo do Comitê de Direitos Humanos da Assembleia Geral das Nações Unidas. A cada dois anos, durante esse encontro, é emitida uma resolução pelos direitos das meninas, que deve orientar a ação dos estados-membro. O objetivo dessa incidência é de que os países elaborem orçamentos públicos seguindo também a perspectiva de gênero.

Apresentação da pesquisa sobre gênero e políticas públicas foi feita na ONU, em outubro (Foto: Divulgação Save the Children)

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