Governo do Estado perde o controle do Sistema Socioeducativo

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O Sistema Socioeducativo cearense está desmoronando. Em 05 dias ocorreram 10 episódios conflituosos, em 05 Unidades de Internação (provisória ou definitiva) das 07 existentes em Fortaleza. Das outras duas, o Centro Educacional Patativa do Assaré está sem nenhum adolescente, desde o último episódio de rebelião na Unidade em setembro, quando ficou sem condições de receber adolescentes e encontra-se, desde então, em reforma. A outra é a Unidade Canindezinho, inaugurada este mês, que está com aproximadamente 60 adolescentes e com problema estrutural[1] de falta d’água.

Com o agravamento do contexto, a Justiça publicou portaria suspendendo a internação de adolescentes do interior[2] nas Unidades de Fortaleza por 90 dias. Os adolescentes apreendidos deverão cumprir medidas socioeducativas de meio aberto em seus municípios, exceto em casos específicos ou de maior gravidade.

Sistema de Justiça realiza coletiva sobre crise no Sistema Socioeducativo

Amanhã, 21 de outubro, às 08h, integrantes do Sistema de Justiça realizarão uma coletiva de imprensa na sede da Procuradoria Geral de Justiça (Rua Assunção, 1100 – José Bonifácio), para abordar a crise no Sistema Socioeducativo e as ações encaminhadas para minimizar os danos e reverter o quadro de gravíssimas violações de direitos humanos.

Estarão presentes representantes do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), através da 7ª Promotoria da Infância e da Juventude, a Defensoria Pública Geral do Estado (DPGE) por meio do Núcleo de Atendimento a Adolescente em Conflito com a Lei – NUAJA, o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE), através do juizado da 5ª Vara da Infância e da Juventude.

ÚLTIMOS EPISÓDIOS

Já na sexta feira que sucedeu a reunião do Conselho Nacional de Direitos Humanosdia 09.10, houve uma tentativa de fuga no Centro Educacional São Miguel. Os adolescentes serraram as grades, mas foram contidos.

Na noite do dia 13.10, ocorreu uma nova rebelião no Centro Socioeducativo Passaré e deixou a Unidade significativamente danificada. O Centro possui 24 dormitórios disponíveis em sua estrutura, no entanto, após a rebelião, apenas sete permanecem em funcionamento, abrigando um total de 207 adolescentes. A capacidade máxima do Passaré, nos 24 dormitórios, é de 90 adolescentes. De acordo com informações da direção, cinco adolescentes conseguiram fugir. A Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS) transferiu parte dos adolescentes para outras Unidades. A Unidade de Recepção (triagem) recebeu 20 adolescentes e outros 10 foram encaminhados para o Canindezinho, casa recém-inaugurada pela Secretaria.

Recebemos denúncias de familiares de adolescentes internos no Passaré que a motivação da rebelião teria sido a entrega da comida na Unidade. De acordo com os familiares, os adolescentes relatam que os instrutores frequentemente jogam a comida dentro dos dormitórios e que eles precisam fazer suas próprias colheres, com papel, porque não distribuem na casa.

Na manhã do dia 14.10, por volta de 9h30, um novo episódio foi iniciado, desta vez pelo agravamento da superlotação e o amontoamento nos dormitórios, uma vez que apenas sete dormitórios da Unidade estavam em funcionamento.

Nesse mesmo dia 14.10, no Centro Educacional Dom Bosco (CEDB), houve uma rebelião com a queima de colchões em protesto ao enclausuramento (ausência das atividades externas, fora dos dormitórios). De acordo com a direção, parte da equipe da unidade, foi remanejada para o Canindezinho (Unidade recém inaugurada), deixando o Dom Bosco com a equipe defasada e sem direção. Com um contingente reduzido, a Unidade deixou de liberar os adolescentes dos dormitórios diariamente e de realizar as atividades de educação e lazer, motivação da agitação dos adolescentes que reivindicavam a saída dos dormitórios. Esse episódio foi gerado a partir da má gestão da Secretaria.

Veja mais em: Novas rebeliões agravam crise no Sistema Socioeducativo cearense 

Dia 15.10, à noite, rebelião no Centro Educacional São Francisco (CESF). Houve uma tentativa de fuga, por parte de 15 adolescentes. Foram contidos por instrutores da Unidade e da Unidade vizinha, São Miguel. Nessa contenção, os instrutores golpearam os adolescentes na cabeça com barras de ferro, num episódio que poderá ser caracterizado como tentativa de homicídio e está sendo alvo de investigação pelo Ministério Público. No dia seguinte (16.10) pela manhã, os mesmos adolescentes foram acordados pelos instrutores com novas sessões de torturas. No dia 16 à noite, estiveram presentes integrantes do Conselho Estadual de Direitos Humanos e do Fórum Permanente das ONGs de Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes do Ceará (Fórum DCA), que colheram depoimentos de alguns dos adolescentes. O dormitório ainda estava bastante ensanguentado e os adolescentes sequer haviam tomado banho, seus corpos ainda cobertos de sangue, e só haviam feito uma única refeição. Um desses adolescentes estava com 17 pontos na cabeça. Apenas os mais graves haviam recebido atendimento médico e não haviam feito exame de corpo de delito. Somente após a visita e como decorrência direta desta, foram providenciados o banho, a refeição e o atendimento médico. Entretanto, os adolescentes ainda estão muito amedrontados e temem pelas suas vidas. Os exames de corpo de delito só foram providenciados depois da ida do Ministério Público, no dia seguinte.

No dia 16.10, com a permanência das condições que deram ensejo a rebelião do dia 14.10, houve novo início de tumulto no Centro Educacional Dom Bosco, em razão do que a polícia foi chamada para realizar uma vistoria na unidade, sem o conhecimento de qualquer órgão do Sistema de Justiça e mesmo da própria Secretaria responsável pela política socioeducativa (STDS). Na ação da polícia, os adolescentes foram colocados nus, de joelhos no cimento áspero e no sol quente por quase uma hora. Pouco tempo depois, representantes da Defensoria Pública, do Conselho Estadual de Direitos Humanos e do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará, chegaram e presenciaram as marcas da tortura que vitimou praticamente todos os adolescentes da Unidade. Uma das denúncias apresentadas pelos adolescentes era que seus familiares passavam por revista vexatória, tendo que ser desnudados para o ingresso da unidade.

No mesmo dia 16.10, houve rebelião no Centro Educacional Passaré, de onde fugiram 06 adolescentes. Os adolescentes estavam há dois dias sem tomar banho e a Unidade estava sem energia elétrica. Ouviram-se inúmeros relatos de agressões por parte de instrutores e policiais, e foram identificados adolescentes lesionados. Há 169 adolescentes em 13 dormitórios. A casa está totalmente sem estrutura.

No último sábado, dia 17.10, houve novos episódios em 02 unidades: Centro Educacional Dom Bosco Centro Educacional São Miguel, que foram visitadas ontem, 19.10, por integrantes da Defensoria Pública e do Fórum DCA. Também foi visitado o Centro Educacional Passaré.

Centro Educacional São Miguel foi praticamente destruído. Dos 16 dormitórios, restaram apenas 05. No momento, 156 adolescentes estão alocados nesses 05 dormitórios. Vários adolescentes foram remanejados para outras Unidades, entre Dom Bosco, Canindezinho e CECAL. A cozinha foi destruída. Houve intervenção policial e os adolescentes foram fortemente agredidos. Adolescentes foram atingidos por tiros de sal, inclusive no rosto. 05 destes estão com ferimentos graves.

No Centro Educacional Dom Bosco houve fuga de 02 adolescentes, na ocasião um instrutor foi lesionado no braço. Como retaliação, houve suspensão do atendimento. Os adolescentes estavam sem água e sem alimentação até ontem, 19.10, quando da chegada da Defensoria Pública e de representantes de organizações da sociedade civil. O clima está bastante tenso. Os instrutores estão se negando a realizar qualquer atividade na Unidade, sob a alegativa de insegurança. Os adolescentes estão bastante agitados. A qualquer momento pode explodir uma nova rebelião. A casa está sem direção, respondendo provisoriamente o coordenador de disciplina, desde a inauguração do Canindezinho.

No Centro Educacional Passaré foram identificados inúmeros adolescentes com hematomas e relatos de violência policial e por parte dos instrutores.Um desses adolescentes estava com ferimento grave e apresentava 10 pontos na cabeça.

Ontem, dia 19.10, os adolescentes fizeram greve de fome no Centro Educacional Cardeal Aloisio Lorscheider (CECAL) devido as péssimas condições e do tratamento ao qual são submetidos. A situação anuncia uma forte possibilidade de rebelião nos próximos dias. Há 103 adolescentes na Unidade, que tem capacidade para 60.

SERVIÇO

Coletiva de imprensa sobre a crise no Sistema Socioeducativo

Com integrantes do Sistema de Justiça e atores do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente

Quarta (21), 08h, na sede da Procuradoria Geral de Justiça (Rua Assunção, 1100 – José Bonifácio)

[1] O Canindezinho foi inaugurado no dia 28 de setembro, já com graves problemas na instalação hidráulica. O sistema instalado tem vazão de uso doméstico, quando deveria ser de uso industrial, uma vez que mais de cem pessoas (se considerada sua capacidade máxima, de 90 adolescentes, mais a equipe técnica) devem ter acesso à água no espaço.

[2] Atualmente o percentual de adolescentes internos em Fortaleza provenientes do Interior chega a 50% e diversos casos não deveriam estar em regime de privação de liberdade.

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