Open post

Audiência Pública debate colapso do Sistema Socioeducativo: “Tudo acontece com o aval da Justiça, do Executivo e do Legislativo”, afirma juíza

Foto 1

Na tarde desta terça, 17 de março, uma Audiência Pública na Assembleia Legislativa com a participação de representantes do Executivo, Legislativo, Judiciário e da sociedade civil debateu o contexto caótico do Sistema Socioeducativo do Ceará e as violações de direitos humanos de adolescentes privados de liberdade dentro das Unidades de Internação.

O Fórum Permanente das ONGs de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ceará (Fórum DCA), foi representado pelo advogado Rafael Barreto que apresentou o levantamento feito pelas organizações: 65 denúncias de tortura desde agosto de 2014. Exibindo fotos de adolescentes feridos (por balas de borracha, estilhaços, espancamentos), Barreto ressaltou que além das formas de tortura física, a ausência de colchões, lençóis, calções, água potável, material de higiene e manutenção de condições de insalubridade nos dormitórios compõe o tratamento considerado cruel, desumano e degradante aos adolescentes.

“Os adolescentes internos estão sem colchões, sem lençóis, ou calções limpos. A coceira tomou conta dos internos. Essa realidade não é de hoje, desde agosto de 2014 a situação só piora. O governo recebeu Representação do Fórum DCA em dezembro e em janeiro. Nada mudou, na verdade piorou. Até quando?”, questiona Barreto.

Foto 2

“Tudo acontece com o aval da Justiça, do Executivo e do Legislativo”, declarou a juíza Maria das Graças Quental, representante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no Ceará. A situação das Unidades foi definida como estarrecedora pela juíza. Afirmando conhecer a realidade das Unidades, a juíza chegou a apontar o despreparo dos diretores que tem pavor de circular no interior das Unidades e até desconhecem o número exato de adolescentes apreendidos.

A Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS), representada na Audiência pela secretária executiva Ana Cruz, reconheceu as torturas, no entanto afirmou que a gestão não se omite em relação às denúncias feitas, informando que cerca de 400 pessoas foram afastadas do Sistema por denúncias relacionadas à tortura.

O dado apresentado pela secretária evidencia o total colapso do Sistema Socioeducativo no Ceará: 400 afastamentos por denúncias de tortura. “Essa é uma prova de que a tortura é institucionalizada e que não basta afastar instrutores, é preciso contratar por meio de concurso público pessoal qualificado e ter política de formação permanente. A manutenção das trancas pelo Governo é a maior prova que a tortura é uma prática institucional”, constata Frencerina Araújo, da coordenação da Pastoral do Menor e integrante do Fórum DCA.

Entenda o contexto

Os anos de 2014 e início de 2015 contabilizam mais de 40 rebeliões nas Unidades, tendo a última ocorrido na noite anterior à Audiência, no Centro Educacional São Miguel, com capacidade para 60 internos, mas atualmente com 240 adolescentes.

Três Unidades* no estado estão parcialmente interditadas, o que significa que elas permanecem em funcionamento normal, no entanto, não podem receber novos internos, devendo operar com o máximo da capacidade estabelecida pela legislação vigente. Nas Unidades que permanecem sem interdição, a superlotação chega a 400%.

Para Mara Carneiro, assistente social e assessora comunitária do CEDECA Ceará, a situação é de conhecimento da STDS há anos. “O Fórum DCA publicou o primeiro monitoramento do Sistema Socioeducativo em 2008. Ano passado lançamos a terceira edição e nos três monitoramentos incluímos recomendações específicas e direcionadas para diferentes áreas: educação, saúde, equipe técnica, e estrutura. Não tem como dizer que faltam propostas, ou que não se tem conhecimento da realidade.” A assessora criticou ainda a ausência de representantes do Sistema de Justiça (como Ministério Público, Defensoria Pública e Juizado da Infância e Juventude) na Audiência, após convocação pelo Gabinete do Governador para reunião com o mesmo tema e no mesmo horário, no Palácio da Abolição. “Esta é a sexta reunião sobre o problema desde sexta-feira passada. Então, não é falta de proposta, mas de decisão política”, concluiu.

Denúncia internacional

No dia 3 de março de 2015, o Fórum DCA, a Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (ANCED) e o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDECA Ceará), denunciaram o Estado Brasileiro pelas violações no Sistema Socioeducativo do Ceará à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Na Petição, pede-se, de forma cautelar e urgente, que o Brasil adote todas as medidas necessárias para proteger a vida e a integridade física dos adolescentes privados de liberdade no Ceará, suspenda imediatamente o recebimento de novos adolescentes, até a solução do problema da superlotação, cumpra a legislação que veda a prática de tortura como forma de sanção disciplinar, bem como determine a abolição do isolamento compulsório ilegal de adolescentes internados (“tranca”). Requer-se ainda que o Estado Brasileiro investigue os crimes e infrações administrativas denunciados, contrate profissionais para as Unidades em número proporcional aos internos e adéque a infraestrutura física conforme o SINASE. Além disso, pede-se também o julgamento com urgência da Ação Civil Pública de 2009 ajuizada pelo CEDECA Ceará.

Open post

Entidades denunciam Estado Brasileiro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos por graves violações em Unidades Socioeducativas do Ceará

A ANCED (Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente), o Fórum DCA (Fórum Permanente das ONGs de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente) e o CEDECA Ceará (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente) apresentaram hoje, 03 de março, Petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos na qual denunciam gravíssimas violações de direitos de adolescentes privados de liberdade nas oito Unidades Socioeducativas de Internação masculina no Estado do Ceará.
Situação do Sistema Socioeducativo no Ceará
Os anos de 2014 e início de 2015 contabilizam mais de 30 rebeliões, com a fuga de mais de 140 adolescentes e dezenas de denúncias de tortura e tratamento cruel envolvendo adolescentes privados de liberdade, além de três Unidades Socioeducativas interditadas pela Justiça. O contexto apenas piora. Nas unidades interditadas, as rebeliões são semanais devido à tortura e maus-tratos cometidos por agentes públicos. Nas unidades não interditadas, a superlotação supera 400%, com fugas e motins diários, todas as salas de aulas e até o refeitório foram transformados em dormitórios – nome dado às “celas” onde permanecem reclusos.
Em nenhuma Unidade tem havido aulas ou atividades profissionalizantes. Visitas de familiares têm sido suspensas. Os professores do Estado ameaçam até mesmo retirar-se das Unidades. As condições de trabalho dos profissionais são precárias, os salários baixos e as equipes interdisciplinares insuficientes e deficitárias. Por conseguinte, toda a legislação do SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, Lei nº 12.594) está sendo violada, sem que haja atendimento individual, educação ou ressocialização.
A concentração de conflitos dentro de Unidades origina-se de um contexto caótico que envolve tortura sistemática, desrespeito à legislação que regula a execução de medidas socioeducativas, banalização da violência e disciplina repressiva por meio de agressões e do isolamento solitário (“trancas”), algo absolutamente ilegal conforme a legislação nacional e internacional.
Fora isso, o ano de 2014 contabilizou episódios como o triplo homicídio de adolescentes em Juazeiro do Norte, um caso de tortura que resultou em braços quebrados de um adolescente, uma denúncia de estupro cometido por um agente público dentro de uma Unidade Socioeducativa e até episódios de dopagem coletiva durante o Natal e Ano Novo, em Fortaleza.
Dentro do Governo do Estado, as Unidades são administradas pela Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS), que permanece sob a mesma gestão desde 2013. Apesar de tantos problemas, o Governo nada tem feito para solucioná-los. Os recursos para a pasta foram reduzidos, uma vez que o reajuste do orçamento estadual de 2015 em relação a 2014 não se manteve sequer no mesmo patamar da inflação do período, o que aponta, na prática, uma redução no orçamento.
Ação Civil Pública de 2009
Em 2009, o CEDECA Ceará ingressou com Ação Civil Pública requerendo que o Governo do Estado do Ceará garantisse a suspensão do recebimento de novos adolescentes em Unidades superlotadas, a adequação infraestrutural e pedagógica às normas nacionais e internacionais, a proibição de qualquer forma de isolamento compulsório ou “tranca”, e a suplementação do orçamento para as mudanças exigidas. Contudo não houve sequer sentença de 1ª instância no processo e não se pode mais fazer pedidos liminares. Assim, as entidades consideram que, especialmente tendo em vista o agravamento da situação de todas as Unidades, há uma “demora injustificada na decisão”, pré-requisito de admissibilidade exigido pela Comissão Interamericana.
Antecedentes
A Comissão Interamericana já analisou casos envolvendo adolescentes privados de liberdade contra o Brasil. O caso de maior destaque foi a denúncia feita em 2002 contra a FEBEM de São Paulo em decorrência do caos nas Unidades Socioeducativas, com rebeliões e homicídios. A intervenção da Comissão culminou com a reforma do sistema e criação da atual Fundação Casa.
Em relação ao Ceará, as decisões da Comissão Interamericana também já tiveram importantes impactos. Um caso de violência doméstica deu ensejo à Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) e a morte de um paciente psiquiátrico em Sobral (Caso Damião Ximenes), impulsionou a Reforma Manicomial de âmbito nacional.
Pedidos feitos
Na Petição, pede-se, de forma cautelar e urgente, que o Brasil adote todas as medidas necessárias para proteger a vida e a integridade física dos adolescentes privados de liberdade no Ceará, suspenda imediatamente o recebimento de novos adolescentes, até a solução do problema da superlotação, cumpra a legislação que veda a prática de tortura como forma de sanção disciplinar, bem como determine a abolição do isolamento compulsório ilegal de adolescentes internados (“tranca”). Requer-se ainda que o Estado Brasileiro investigue os crimes e infrações administrativas denunciados, contrate profissionais para as Unidades em número proporcional aos internos e adéque a infraestrutura física conforme o SINASE. Além disso, pede-se também o julgamento com urgência da Ação Civil Pública de 2009 ajuizada pelo CEDECA Ceará.
Procedimento
A Comissão analisa o caso e se concluir que houve violação de direitos humanos edita recomendação ao Estado brasileiro. Se o Brasil não atender às recomendações feitas no prazo previsto, o caso pode ser encaminhado à Corte Interamericana, a qual os resolve de forma definitiva e suas sentenças têm força judicial obrigando o cumprimento pelo Estado.
Comissão Interamericana
O Estado brasileiro está submetido à competência da Comissão e da Corte Interamericana tendo em vista que ratificou a Convenção Americana de Direitos Humanos (“Pacto de San José de Costa Rica”), pelo Decreto nº 678/1992.
Ação Civil Pública
Ação Civil Pública ajuizada pelo CEDECA Ceará contra o Estado do Ceará em 2009, no Processo nº 1060721-65.2014.8.06.0001, está em trâmite perante a 3ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de Fortaleza, Ceará.

Posts navigation

1 2 3 4 5

ONDE ESTAMOS

PARCEIROS E ARTICULAÇÕES

Scroll to top