Artigo – Educação pela violência?

Nesta semana em que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 20 anos, recebemos a notícia de que o presidente Lula propôs um projeto de lei que dispõe que toda criança e adolescente tem o direito à proteção, portanto, de ser educado /a sem castigos corporais.

Essa é, sem dúvida, uma boa proposta, tendo em vista que milhares de crianças no Brasil sofrem, cotidianamente, por essa prática autoritária, adultocêntrica, que impõe castigos físicos, humilhantes, que estabelece uma covarde relação de poder entre adultos e crianças, sendo a violência naturalizada e o discurso legitimador que trata a violência como um recurso pedagógico.

Os castigos físicos, psicológicos e as palmadas, por exemplo, são práticas tão disseminadas que muitas famílias não conseguem compreender a educação de seus filhos sem a violência, não conseguem crer como se impõe limite e autoridade sem a prática autoritária “do bater”. Mesmo com esse acréscimo no Estatuto , muito terá que ser feito para que as pessoas interfiram nessa violação de direitos cotidiana na vida de milhares de crianças e adolescentes, pois vigora ainda um modelo pautado nos espaços privados que têm como cultura a estrutura patriarcal, adultocêntrica e da coisificação das crianças e adolescentes. São famosos os jargões que expressam isso: “não se meta, pois o filho é meu, eu faço dele o que eu quiser, se quiser bater é da minha conta”. Essa mudança no Estatuto pode provocar esse debate, trazendo para “a conta” de toda a sociedade e do Estado a violência cometida contra mulheres, contra crianças, violência invisibilizada, pois encontra, muitas vezes, respaldo na blindagem cultural e na legitimação social.

A legislação pune a violência cometida por um adulto contra outro adulto. São vários os tipos penais, mesmo para as lesões conhecidas como moderadas, então por que a violência de um adulto contra crianças, em ambientes intra- familiares, é tratada como algo legítimo e pedagógico?

Agora é fundamental refletirmos que não basta somente criar e reformar leis, pois precisamos da efetivação da legislação de proteção, dos mecanismos de realização desses direitos, do funcionamento da rede de proteção da infância. Se a grande preocupação do governo federal é a proteção da infância em nosso país, o que justifica termos ,até o mês de junho do corrente ano, 33 (trinta e três) ações do Orçamento Criança e Adolescente com execução orçamentária de R$ 0,00? (conforme dados do boletim Inesc).

E, mesmo em relação ao que propõe o projeto de lei, que estabelece como forma de responsabilização dos pais e da família que infringirem a lei “penalidades como advertência, encaminhamento a programas de proteção à família e orientação psicológica”. Como se efetivará? Que programa do governo federal, estadual ou municipal garante apoio e proteção às famílias com orientação psicológica na relação com seus filhos e convivência familiar? Como diz o ditado: “papel agüenta tudo”,. Criar novas leis e reformular as já existentes é tarefa fácil, o segundo passo é que é mais difícil, que é dar a devida prioridade orçamentária ,que garanta políticas que promovam os direitos. Mas infelizmente não é o que tem ocorrido. Enquanto as políticas para a infância têm execução baixíssima no orçamento dos governos, grandes eventos, como a Copa do Mundo, recebem vultosa destinação de recursos. Então, fica a pergunta: para que política mesmo tem sido dada prioridade?

Talita Maciel é assessora jurídica do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca Ceará)

Artigo publicado no blog da Jangadeiro

Nota de repúdio à matéria jornalística publicada no jornal Folha de São Paulo

A Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente – ANCED, organização da sociedade civil de defesa de direitos humanos que agrega cerca de 30 Cedecas em todo Brasil, vem, por meio desta Nota Pública, manifestar o seu repúdio à matéria intitulada “Vida em Looping”, publicada na versão impressa do jornal Folha de São Paulo do dia 05 de agosto de 2010.

A matéria trata, de forma extremamente preconceituosa e machista, o caso de uma jovem que, aos seus quinze anos, teve todos os direitos, como ser humano, violados, após ser presa ilegalmente, por agentes do Estado, em uma cela de delegacia com 26 homens, por mais de 20 dias, no município de Abaetetuba – PA, em 2007.
Cumpre destacar que a jovem, em virtude desta violação e da repercussão que o caso teve nacional e internacionalmente, passou a ser ameaçada de morte por autoridades no Estado do Pará, o que lhe rendeu a inserção no Programa de Proteção à Criança e ao Adolescente Ameaçados de Morte – PPCAAM, no qual se encontra até o momento. A revelação do local de proteção desta jovem pela reportagem do jornal, independente de quem tenha informado, torna-se irresponsável. na medida em que expõe a jovem novamente ao risco de morte, uma vez que, estando num programa de proteção, o sigilo do seu pouso é pressuposto de sua segurança.

Entendemos que os meios de comunicação devem assumir o compromisso com a promoção dos direitos humanos. No entanto, o conteúdo da matéria contribui para a construção de uma imagem social de estigmatização e criminalização da pobreza e da juventude. Para que serviu, por exemplo, reproduzir a opinião de que a menina é “uma ratazana”? E o objetivo de reproduzir a outra opinião de que o dinheiro empregado no tratamento para tratar a drogadição e atenuar os dramas acumulados foi perdido? Reproduzir opiniões com estas e outras sem citar fontes qualificadas nos parece um equívoco e um risco.

O conteúdo da matéria ainda contribui para a legitimação de uma ação violadora de direitos por parte do Estado e seus agentes, uma vez que atribui a conduta dos delegados e demais servidores públicos envolvidos no caso ao fato de a jovem ser usuária de drogas. Ademais, a redação do referido jornal, ao dar ênfase em declarações que desqualificam a jovem, sujeito de direitos, justifica, mesmo que implicitamente, a violência e o descaso que a acompanha desde o trágico episódio.

Em que pese a reportagem tender a indicar que a responsabilidade dos fatos se dá ao comportamento da adolescente, vale destacar que o Estado é o grande responsável pelas violações de direito que acompanham esta jovem e grande parte das crianças e adolescentes em nosso país, por não oferecer políticas sociais básicas de defesa e promoção dos direitos humanos.

Só a partir de um entendimento mais amplo do que representa uma democracia teremos avançado para não mais tolerar que o Estado brasileiro permita que uma menina de 15 anos, sob a sua tutela, seja estuprada por quase um mês, sem nenhuma atenção daqueles que deveriam protegê-la. Também evitaremos torturas e homicídios por grupos de extermínios ou o controle discriminatório sobre os adolescentes, personificado nos toques de recolher e em tantas outras violações que ainda, infelizmente, reproduzem-se diariamente e aos olhos de todos em nosso país.

ANCED – São Paulo, 05 de Agosto de 2010.

 

Ato público marca os 20 anos do ECA no Jangurussu e Ancuri

Ainda para marcar os 20 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Rede de Articulação do Jangurussu e Ancuri (Reajan) realizou um ato, no dia 30/07/2010, às 9h, iniciando com uma caminhada do São Cristovão até a Praça do Conjunto Palmeiras. O objetivo foi cobrar a responsabilidade do Estado e do Município para efetivação do Estatuto.

O movimento chama atenção para o fato de as crianças e os adolescentes serem responsabilizados pelo aumento da violência no Estado, quando, na verdade, são as principais vítimas da violência.

Em nota divulgada para mobilização do ato, a articulação denuncia a violações ao ECA evidenciadas na região, como a falta de equipamentos para esporte e lazer, o precário atendimento à saúde (só há um posto no Palmeiras – que atende as comunidades do Palmeiras, do Sítio São João, do Santa Filomena, do Jagatah, do Conjunto Patativa do Assaré e do Maria Tomásia – só este último com 5 mil pessoas) e outro no São Cristovão, que atende todo o São Cristovão e demais comunidades próximas). Com relação ao direito à educação, faltam creches e escolas. Só existem quatro escolas de ensino médio para atender as duas regiões (Jangurussu e Ancuri).

O documento ressalta ainda a falta de acesso à profissionalização, já que os/as adolescentes e jovens da comunidade são excluídos dos critérios do Projeto Primeiro Emprego; o desemprego entre as famílias e a falta de locais no município para o tratamento da drogadição. Em relação aos adolescentes cumprindo medidas socioeducativas, o núcleo de Liberdade Assitida da região (regional VI) atende 700 adolescentes com apenas 11 profissionais. Além disso, não existe plano individual de atendimento, nem sempre tem vale transporte para o deslocamento dos adolescentes, não tem lanche e o acompanhamento às famílias acontece apenas de dois em dois meses. Os Petis (Programa de Erradicação do Trabalho infantil) do Santa Filomena e do João Paulo II estão funcionando com equipe bem reduzida, somente 2 educadores e 1 cozinheira.

A nota finaliza, questionando a ação do Estado para a garantia do direito à vida: “que respostas o Estado tem dado para o número de adolescentes mortos no Palmeiras, no Santa Maria, Santa Filomena e Sítio São João? Os meninos e meninas que morrem ficam no anonimato, sem investigações, sem resoluções dos casos”.

Após a caminhada até o Conjunto Palmeiras, houve uma apresentação de uma esquete de teatro, denunciando as violações aos direitos de crianças e adolescentes, além de roda de  maculelê e show musical.

Para entender melhor

A Rede de Articulação do Jangurussu e Ancuri (REAJAN) é um grupo de cerca de 40 entidades comunitárias, ongs, pessoas, movimentos e igrejas que se organizaram e se constituíram, em 2006, como ator político na região, a partir de uma ação territorial, tendo como missão “Fortalecer as lutas comunitárias da região do Jangurussu / Ancuri, através de ações coletivas, articuladas e protagonizadas por comunitários, movimentos sociais, lideranças e entidades da sociedade civil, com vistas ao desenvolvimento local sustentável”.

 Aline Baima
Jornalista Mtb 1702 JP CE
Assessora de Comunicação
Cedeca Ceará

 

Cedeca Ceará divulga relatório de análise da execução orçamentária do governo do Estado em 2010

A análise da execução orçamentária é a parte mais importante do ciclo orçamentário, pois é nesta etapa que iremos perceber como estão sendo realizadas as propostas advindas e aprovadas da Lei Orçamentária Anual (LOA). É por isso que o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (Cedeca-Ce) apresenta este documento, no qual é analisada a execução orçamentária das ações ligadas diretamente à criança e ao adolescente em diferentes áreas, como segurança pública, educação, saúde e outros, além de comparar com outros gastos governamentais, como forma de sempre analisar o orçamento de forma global e não fracionada.

Esperamos que estes documentos de análise da execução orçamentária tragam subsídios para uma maior qualificação no debate orçamentário, prevalecendo o princípio da absoluta prioridade na efetivação dos direitos de crianças e adolescentes, inclusive com a destinação privilegiada de recursos públicos (art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, ECA) ainda no orçamento em curso, 2010.

Os dados coletados foram extraídos do site da secretaria de planejamento e gestão do governo do estado, SEPLAG, www.seplag.ce.gov.br, referentes a 29 de junho de 2010, próximo ao prazo máximo em que a legislação eleitoral impõe alguns limites aos gastos públicos.

Veja o relatório completo em anexo.
 

Convite – Debate “A educação no contexto da sociedade capitalista do século XXI”

O Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca-Ceará) convida a todas e todos para o debate “A educação no contexto da sociedade capitalista do século XXI”, com a participação do Prof. Idevaldo Bodião (UFC) , que será realizado no auditório do Cedeca Ceará, às 19h, do dia 19/07/2010. O evento é aberto ao público.

O debate também marcará o momento inicial da turma de formação do Projeto Debate Político e Formação em Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes, que acontecerá de 19 a 30/07/2010, na sede do Cedeca Ceará, e terá como tema o direito humano à educação, abordando questões como “Financiamento da educação”, “Educação integral e ensino médio profissionalizante”, “Controle social do direito à educação” e Justiciabilidade do direito à educação, dentre outros.

Manifestação na Praça do Ferreira lembra 20 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente no Ceará

Apresentação de teatro de rua e encontro com o governador Cid Gomes marcaram o ato

Para marcar os 20 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Fórum Permanente das ONGs de Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes (Fórum DCA Ceará) realizou um ato público no dia 13 de julho, às 9h, na Praça do Ferreira, centro de Fortaleza (CE).

O tom político do ato foi no sentido de reconhecer a conquista que foi a entrada em vigor da lei, mas também de chamar atenção para os desafios que são apontados para que ela seja efetivamente posta em prática. A ação reuniu diversas entidades que integram o FDCA (Reajan, Integrasol, Pastoral do Menor, Cedeca Ceará, Associação Marista, dentre outras) e iniciou com um cortejo, puxado por adolescentes e jovens integrantes dos grupos Fala Sério, Maria das Vassouras e Escuta. Chegando ao centro da praça, o grupo realizou uma esquete, contando a história de uma mãe que teve seu filho morto após envolvimento com drogas. A encenação foi baseada em um fato real, acontecido recentemente no Ceará, e representa os inúmeros casos em que diversas mães e pais, geralmente pobres e negros, buscam apoio do poder público e do judiciário para garantir a proteção de seus filhos e estes, sem contar com uma resposta efetiva dor poder público, acabam morrendo.

A esquete tratou de todo o percurso feito pela mãe do adolescente pelo sistema de garantia de direitos, mostrando a violação dos direitos de crianças e adolescentes pelos próprios agentes responsáveis pela efetivação do ECA. Ao saber do envolvimento do filho com as drogas, a mãe procura o Conselho Tutelar. A conselheira afirmou que não havia espaço em abrigos para o adolescente, nem tão pouco local para tratamento. Desesperada, a mãe inventou para polícia que o filho havia cometido o crime para que, internado, ele pudesse ficar longe das drogas. O adolescente vai então para um centro de internação, onde ele é assinado. Depois de todas as violações, a mãe volta a percorrer os órgãos públicos em busca de dinheiro para comprar um caixão para enterrar o filho. Ao longo da esquete, é abordada também a espetacularização da notícia e a exploração da dor da mãe pelos programas policias.

Em seguida, dando continuidade ao ato, os/as integrantes do Fórum saíram em cortejo pelas ruas do Centro da cidade. No trajeto, o grupo cruzou com o governador e sua comitiva, que estavam fazendo campanha política no local. Um representante do FDCA entregou a carta do FDCA, tratando dos diversos problemas enfrentados por crianças e adolescentes do Estado, como a falta de creches, as violações de direitos e mortes ocorridas nos centros educacionais, a falta de tratamento para crianças e adolescentes em situação de drogadição, a ausência de políticas de proteção a adolescentes e crianças ameaçados e o despreparo do nosso sistema de Segurança e Justiça para lidar com a questão e a situação de crianças e adolescentes com deficiência, que vêm sofrendo violência e isolamento num abrigo conveniado com o Estado.

Em seguida, o grupo começou a dizer palavras de ordem, cobrando do governador atenção às políticas para infância. “Governador, aquário não, prioridade é saúde e educação”, gritavam os manifestantes, lembrando que as políticas para área da infância tiveram baixa execução orçamentária, enquanto o governo destinava 250 milhões para a construção de um aquário. Após o encontro, o grupo voltou em cortejo e finalizou o ato com uma grande ciranda.

Para entender melhor

O ECA representou um marco histórico para efetivação dos direitos da criança e do adolescente no país e trouxe consigo uma nova concepção sobre a infância, assim como estabeleceu prioridade absoluta para as crianças e adolescentes nas políticas públicas, inclusive com destinação privilegiada de recursos orçamentários. Embora tenha sido uma importante conquista, a lei 8069 ainda encontra muitos entraves para sua efetivação – entraves que vão desde uma resistência por parte de segmentos conservadores da sociedade, inclusive entre os atores responsáveis pela efetivação da mesma – até a falta de prioridade dada pelos governos, que não destinam recursos suficientes para garantir sua aplicação.

Veja a nota em anexo.

Aline Baima
Jornalista Mtb 1702 JP CE
Assessora de Comunicação
Cedeca Ceará

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