Crianças e Participação

Dia 19 de abril, estive na reunião do Conselho do Orçamento Participativo. O objetivo era contribuir com um debate sobre a participação de crianças. Ano passado, este debate já havia sido feito e manteve-se a participação das crianças. O tema ainda é recente e envolve muitas questões, desde as interpretações das normativas legais a práticas sociais estabelecidas e naturalizadas. Entre elas, está a de que crianças e adolescentes só vão ser gente no futuro, quando adultos. O reconhecimento de crianças e adolescente como sujeitos de direitos impõe ao adulto uma modificação de postura e uma aceitação de dividir espaço com aquele que considera “menor”. É por isso que, mesmo no espaço privilegiado à discussão sobre participação, como o COP, a presença das crianças com direito a opinar e votar causa tanto desconforto. Sob o argumento de proteger as crianças e de que estas não estavam preparadas para assumir a responsabilidade de decidir sobre o orçamento da quinta maior cidade do país, o COP votou pela saída das crianças do espaço.

Queria refletir sobre este processo: 1. Não se exclui qualquer segmento de processo decisório sob alegação de proteção desse mesmo grupo ou sob argumento de incapacidade. Numa trajetória de não participação, que nosso povo sempre experimentou com uma história de tutela e autoritarismo – temos que tomar muito cuidado com decisões que reforçam estes paradigmas, que são, na verdade, paradigmas de poder. O que temos como desafio é avançar nos processos de participação e decisão, tornar esses espaços de fato decisórios e não, como muitas vezes acontece, apenas espaços de legitimação do poder público. 2. Colocar como se as crianças fossem responder pelo destino da cidade e do orçamento de Fortaleza é um argumento hipócrita, pois sabemos o quanto há que se avançar para tornar o OP um espaço real de decisão, inclusive para os adultos. Porém, o que mais me assustou foi perceber que as crianças e adolescentes estavam sozinhos, sem apoio neste debate.

Sob o argumento da proteção, os adultos utilizaram seu poder para excluir um segmento cuja participação agrega ao OP a idéia de co-responsabilidade na construção de um projeto de cidade mais justa e solidária, além de possibilitar um processo de aprendizado intergeracional. Fiquei pensando porque esse – e não outros temas mais urgentes da cidade – pôde mobilizar os conselheiros adultos de maneira tão apaixonada? Será que teve alguma decisão tomada pelas crianças sozinhas? Se há um tema que as crianças e adolescentes já demonstraram compreender antes dos adultos, esse tema é o orçamento da cidade. Antes mesmo de haver orçamento participativo, eles já incidiam no tema, com conquistas importantes, através de emendas, ampliando os recursos para as políticas voltadas ao segmento em Fortaleza. Afinal, do que se tem medo? Será dos 12 votos que elas representam? Isso não é um bom sinal para a cidade. Ainda bem que a história também nos tem demonstrado que os silenciados rompem sempre com o silêncio imposto.

Margarida Marques é coordenadora da Anced e do Cedeca-Ceará
 

Comitê Cearense da Campanha Nacional pelo Direito à Educação realiza ações em alusão à semana de Ação Mundial

O Comitê Cearense da Campanha Nacional pelo Direito à Educação realiza, no dia 29 de abril, às 14h, no auditório da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (Faced-UFC), o seminário “Financiando a educação de qualidade: quanto custa esse direito?”. O evento ocorre em alusão à semana de Ação Mundial. Na programação, está prevista a palestra “Financiamento da Educação no Governo Lula: cenário e desafios pós Conferência Nacional de Educação”, com Salomão Barros Ximenes, mestre em educação e integrante da ONG Ação Educativa. Em seguida, ocorrerá a oficina sobre o método Custo Aluno–Qualidade Inicial, estudo desenvolvido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação para apontar a quantidade ideal de investimento público por aluno para que o país ofereça uma educação básica de qualidade. Finalizando o evento, haverá o lançamento da publicação “Educação pública de qualidade: quanto custa esse direito?”, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

A semana de Ação Mundial é uma iniciativa da Campanha Global pela Educação e acontece para exigir que governos de todo o mundo cumpram os acordos internacionais da área, entre eles o Programa de Educação para Todos (Conferência Mundial de Educação, Dacar/Senegal, Unesco, 2000) e os objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ONU, 2000). No Brasil, a semana é coordenada pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, em parceria com outros movimentos, instituições e redes.

Dados do documento “Education for All Global Monitoring Report”, da Unesco (2010) revelam que diversos países ainda precisam avançar muito para conseguirem alcançar as metas estabelecidas nos acordos internacionais. Segundo o relatório, no mundo ainda há pelo menos 72 milhões de crianças fora da escola e que poderiam estar no ensino primário. 56 milhões ainda poderão estar fora da escola em 2015. Com relação ao acesso dos adolescentes à escola, 71 milhões de pessoas em idade para cursar o equivalente às séries finais do ensino fundamental também estão excluídos do sistema escolar. A alfabetização é uma das metas mais negligenciadas, com 759 milhões de jovens e adultos analfabetos (16% da população mundial), sendo que dois terços destes são mulheres.

Outra informação importante, verificada no relatório, é que não só o fator renda é determinante em relação ao acesso à educação como as demais opressões influem e associam-se, agravando a situação de exclusão de diversos segmentos historicamente marginalizados “os fatores que levam à marginalização na educação não operam isoladamente. Renda e gênero se cruzam com língua, origem étnica, território e deficiências, criando e reforçando desvantagens múltiplas. A incapacidade de enfrentar esse quadro limita os avanços no cumprimento das metas de educação para todos, afirma o documento divulgado pela Campanha”.

No Brasil, a situação está entre as piores no que diz respeito ao cumprimento das metas de Dacar (estabelecidas na Conferência Mundial de Educação em 2000- Dacar/Senegal). O país situa-se em 88º lugar na lista de 128 países, abaixo da Argentina, do México, da Venezuela, da Indonésia, do Peru, da Colômbia e da Turquia. Os problemas relacionados à educação no país atingem todos os níveis de ensino. Em 2008, somente 18,1% das crianças de 0 a 3 anos de idade eram atendidas em creches. No atual ritmo, o país não atingirá a meta para 2010, que é de atender 50% dessa população. Já na faixa de 4 a 6 anos, 20,3% não têm acesso à pré-escola, sendo que o índice sobe para 28,7% entre as famílias mais pobres. Em relação ao ensino fundamental, em 2008, 2,1% da população na faixa de 7 a 14 estavam fora da escola, sendo que este índice sobe para 2,8% entre as famílias com renda mensal inferior a ¼ de salário mínimo per capita. O índice de analfabetismo cai de 13,4% em 1999 para 10% em 2008, mas ainda é mais alto que Argentina, Colômbia, Venezuela, México e Indonésia.

 

Diante desse panorama, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação e outros movimentos sociais pressionam as esferas governamentais por mudanças estruturais no modelo de financiamento e de gestão das redes educacionais públicas, com o objetivo de torná-las melhor estruturadas, mais democráticas e capazes de garantir um ensino de qualidade. Dentre as reivindicações para que essa mudança se efetive, a Campanha e demais movimentos defendem mais investimentos na educação, melhor gestão e mais controle social, maior participação da União nos investimentos em educação básica, a implantação do CAQI (custo aluno qualidade inicial, que aponta quanto deveria ser investido anualmente por aluno para garantir um patamar mínimo de qualidade educacional), o Novo Plano Nacional de Educação (já que o atual será concluído em dezembro de 2010) e a efetivação da lei do piso salarial para os profissionais do magistério, dentre outras medidas.

Aline Baima
Jornalista Mtb 1702 JP CE
Assessora de Comunicação
Cedeca Ceará

Comissão de Defesa do Direito à Educação divulga Relatório de Acompanhamento de Matrículas da rede municipal de ensino

A Comissão de Defesa do Direito à Educação realiza, nesta segunda-feira, dia 26 de abril, às 14 horas, no Plenário da Câmara Municipal de Fortaleza, uma Audiência Pública para divulgar o Relatório de Matricula da Rede Municipal de Ensino referente ao ano de 2010. O documento é fruto do acompanhamento do processo ocorrido em Fortaleza, no período de 04 a 08 de janeiro, cujo foco foi a matrícula antecipada de alunos com deficiência (educação inclusiva) e, no período de 08 a 12 de fevereiro, centrou na inclusão de alunos novatos nas escolas do município. No total, foram visitadas 26 instituições, dentre elas, 17 unidades de educação infantil, ensino fundamental e educação de jovens e adultos (EJA), além de seis creches e três anexos. 

Durante as visitas, que eram realizadas nos dois turnos, a Comissão procurou identificar se havia a correta divulgação do calendário de matrícula disponibilizado pela Prefeitura de Fortaleza, além de exigir a garantia de que as crianças e adolescentes com deficiência e os alunos novatos estavam sendo matriculados nas datas programadas e nas séries adequadas. No processo de acompanhamento, os integrantes da Comissão preencheram uma ficha avaliativa, na qual foram verificadas questões como a quantidade de vagas ofertadas, quantas crianças foram matriculadas, condições especificas necessárias para a escola receber o aluno (se a escola é acessível, se os profissionais estão qualificados etc), dentre outras.

Na maioria dos casos, foram verificados diversos problemas, sobretudo estruturais. Grande parte das unidades de educação infantil possui estrutura precária e sem condições básicas de funcionamento com qualidade. Em algumas delas, havia salas de aulas com má iluminação, pouca ventilação, teto com riscos de desabamento, goteiras por toda a estrutura do prédio, ausência de quadra de esportes, bibliotecas com pouco material didático e banheiros pequenos e inacessíveis. Foi observada, também, a ausência de qualquer tipo de atendimento educacional especializado para crianças com algum tipo de deficiência, além da falta de acessibilidade estrutural, como rampas de acesso, para esse público.

De acordo com a Emenda Constitucional 59 (antiga PEC 277/08), é dever do Estado garantir o ensino básico gratuito para crianças e adolescentes na faixa etária entre 4 e 17 anos. É obrigatória também a matrícula de crianças de 04 a 07 anos na rede de ensino regular.

O Relatório tem como principal finalidade analisar o acompanhando da demanda reprimida, a existência de remanejamentos, o atendimento à população que busca informação e as condições estruturais da escola. O documento servirá como base para o diálogo com o poder público acerca das implicações ao acesso a uma educação de qualidade.

Estarão presentes na audiência representantes do Fórum de Educação Infantil (FEI), Fórum de Educação de Jovens e Adultos (Fórum EJA), Fórum pela Educação da Praia do Futuro (FEPRAF), Centro de Apoio a Mães de Portadores de Eficiência (Campe), Universidade Federal do Ceará (UFC) e Universidade Estadual do Ceará (UECE), dentre outras entidades.

Devido à mudança no calendário de matrículas estadual e municipal, o Relatório de Matrículas do ano de 2010 não será unificado, havendo um documento específico para cada instância.
 
Sobre a Comissão
Há dez anos, a Comissão acompanha o processo de matrículas em Fortaleza, atuando através do controle social da política pública educacional, na busca pela efetivação do Direito à Educação, que implica ampliar a oferta de educação pública em todos os níveis, melhorar a rede de ensino e os equipamentos e meios necessários ao processo educativo, fortalecer a democracia na escola, qualificar e valorizar permanentemente os profissionais e assegurar a prioridade administrativa e orçamentária para a Educação. Anualmente é divulgado um relatório, realizado a partir do que foi verificado, que é entregue ao poder público.

Contato
Márcio Allan (assessor jurídico do Cedeca Ceará) – (85) 9131.6343.
 
Aline Baima
Jornalista Mtb 1702 JP CE
Assessora de Comunicação
Cedeca Ceará

Cedeca entra com Ação Civil Pública em defesa do direito à educação

O Centro de Defesa da Criança e do Adolescente entrou, no último dia 31 de março, com uma Ação Civil Pública requerendo, em caráter de medida liminar, que a Prefeitura Municipal de Fortaleza (PMF) seja obrigada a não matricular nenhum adolescente com menos de 14 anos em qualquer modalidade da educação de jovens e adultos ou de ensino noturno e, quando se tratar de adolescentes entre 14 e 17 anos, que seja exigida, para efetivação da matrícula em ensino noturno, a demonstração documental da relação de trabalho ou de contrato de aprendizagem ou declaração do aluno com assinatura dos pais, informando a relação de trabalho ou contrato de aprendizagem. A ação exige, ainda, o remanejamento dos alunos que encontram-se fora desses critérios para o ensino diurno.

A ação foi proposta com base em denúncia, encaminhada ao Cedeca pela Rede de Articulação do Jangurussu e Ancuri (Reajan), rede composta de cerca de 40 entidades, organizações comunitárias e de assistência a infância. De acordo com a articulação, estudantes com menos de 16 anos e, até mesmo, com 13 anos de idade estavam sendo obrigados a estudar no turno da noite, ou seja, não estavam sendo ofertadas vagas para os mesmos no ensino diurno e eles estariam sendo alocados juntamente com turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Diante da denúncia, o Cedeca Ceará requereu à prefeitura a lista dos alunos matriculados no ensino noturno na regional VI-onde situa-se a Reajan. De acordo com a lista fornecida pela PMF, mais de 500 alunos com menos de 16 anos estão matriculados no ensino noturno na modalidade EJA somente na regional VI, o que leva a crer que a quantidade seja bem maior, na medida em que existem outras cinco regionais. Não é possível saber, por estes dados, quais destes encontram-se exercendo trabalho aprendiz com mais de 4 horas diárias, o que faria com que o ensino nesse turno fosse possível.

No processo, o Cedeca afirma “a oferta de ensino diurno em todos os níveis da educação fundamental é dever do poder público, não estando nenhuma criança ou adolescente obrigado a estudar durante a noite por motivos de conveniência da administração pública municipal”. “Não há outra justificativa para a alocação dos estudantes no EJA que não a ausência de um atendimento educacional específico para os estudantes que estão com distorção idade-série”. Dados do INEP afirmam que 45% das pessoas de 15 a 17 anos não completaram o ensino fundamental, ou seja, estão e m situação de distorção idade-série.

O ensino noturno deveria ser ofertado apenas para adolescentes trabalhadores (a partir dos 16) ou aprendizes (a partir dos 14), mas o que ocorre é que esse turno está sendo oferecido para adolescentes que não estão na condição de trabalhadores ou aprendizes. Além disso, a única opção existente de ensino noturno em Fortaleza hoje é na modalidade EJA (Educação de jovens e adultos), o que viola o direito dos estudantes, na medida em que teriam direito de optar entre as modalidades de ensino (entre a EJA e o ensino regular).

O ensino noturno envolve uma série de limitações para os adolescentes, pois não permite progressividade do tempo de atendimento educacional, o que é uma diretriz para o ensino fundamental. Além disso, a educação física é facultativa para o ensino noturno. A alocação dos estudantes na modalidade de ensino noturno do EJA acarreta prejuízos no aprendizado dos adolescentes, pois o plano pedagógico não se adéqua à faixa etária deles e às suas especificidades de desenvolvimento psico-social cognitivo, estando, numa mesma turma, pessoas com 17, 20, 30 e até 40 anos ou mais, com diferentes estágios de desenvolvimento cognitivo e processos educativos diferenciados. “O adolescente necessita de um atendimento específico que leve em conta a sua condição peculiar de sujeito em desenvolvimento e sua condição de aprendiz ou trabalhador (nos casos permitidos pela legislação), sobretudo quando se encontra fora da faixa etária adequada ao seu nível de ensino, que contribua para a correção da histórica desigualdade de condições na permanência na escola”, afirma a assessoria jurídica do Cedeca.

A falta de opção pelo ensino diurno também inviabiliza o acesso à escola a muitos estudantes, uma vez que muitos pais alegam que não permitirão a frequência dos filhos à escola no horário noturno, por se preocuparem não apenas com a qualidade do ensino como com a integridade física dos adolescentes. O horário também dificulta o transporte dos adolescentes, visto que, no período da noite, há uma redução da frota de ônibus. Além disso, prejudica o convívio família, já que muitos pais trabalham o dia inteiro e o horário em que têm um contato maior com os filhos é durante a noite.

A Ação Civil Pública é finalizada, exigindo que, em caso de descumprimento, seja decretada multa de 10 mil reais ao dia, valor a ser revertido ao Fundo Municipal de Educação de Fortaleza. A ação está tramitando na 4a. vara da infância e juventude.

Um pouco do que diz a legislação brasileira sobre o assunto:

Art 206, no I Constituição Federal
DETERMINA que o ensino deve ser ministrado com base no princípio da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola competindo ao Estado propiciar ensino fundamental obrigatório e gratuito (art.20º, I) e ensino noturno regular, adequado às condições do educando (art.208, VI).
Estatuto da Criança e do Adolescente
Art 54
É DEVER do Estado assegurar à criança e ao adolescente:
I- ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que não tiveram acesso na idade própria;
VI- oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do adolescente trabalhador;
§2º O não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente.
Resolução Conselho Nacional de Educação/CEB
PARÁGRAFO ÚNICO. Fica vedada, em cursos de Educação de Jovens e Adultos, a matrícula e a assistência de crianças e de adolescentes da faixa etária compreendida na escolaridade universal obrigatória, ou seja de sete a quatorze anos completos.

Aline Baima
Jornalista Mtb 1702 JP CE
Assessora de Comunicação
Cedeca Ceará
 

Cedeca Ceará entra com Ação de Cumprimento de Sentença referente à situação das creches municipais

No último dia 26 de março, o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca Ceará) deu entrada na Ação de Cumprimento de Sentença exigindo que a Prefeitura de Fortaleza (PMF) seja compelida a cumprir, no prazo de cinco dias, a decisão condenatória, demonstrando cabalmente a matrícula das crianças que encontram-se sem vagas nas creches de Fortaleza.

O processo teve início em 2002, quando o Cedeca Ceará e o Ministério Público Estadual ingressaram com uma Ação Civil Pública exigindo da PMF a garantia da divulgação de matrícula para creches, na mesma proporção dos demais níveis de ensino e acatamento das solicitações de matrícula decorrentes desse processo.

Em 2004, a PMF foi condenada a divulgar por igual meio e proporção de publicidade, tal qual fez com alunos da faixa etária de 04 a 18 anos, a matrícula dos alunos na faixa etária de zero a 3 anos, na rede de ensino público municipal, designando data própria para a matrícula em destaque, bem como acatasse as solicitações destas em creches próximas de suas residências no prazo de cinco dias, condenando ao pagamento de multa diária no valor de 500 reais no caso de descumprimento da obrigação interposta.

No ano de 2005, o Cedeca ajuizou Ação de Execução Provisória, por conta do descumprimento da sentença. Na ação, foi apresentada uma lista de alunos em demanda excedente para matrícula em creches do município de Fortaleza naquele ano. Em última petição, o Centro de Defesa requereu a conversão da obrigação em perdas e danos referentes às crianças que em 2005 não obtiveram acesso às creches.

No ano de 2010, a situação permanece de carência de creches no município de Fortaleza. De acordo com o educacenso, realizado pelo INEP em 2008, 10326 crianças de até 3 anos estavam matriculadas em creches na capital. Segundo o censo de 2000 do IBGE, existem 162.266 meninos e meninas na faixa etária de 0 a 3 anos. A disparidade entre a demanda por creches na capital e a oferta de vagas foi observada também através das visitas realizadas pela Comissão de Defesa do Direito à Educação aos equipamentos de educação em Fortaleza, das notícias veiculadas na mídia e pelo recebimento de denúncias feitas pela associação dos moradores União Popular e da creche nosso paraíso, que divulgaram a relação das crianças que estão sem atendimento em creche no bairro Jangurussu, somando 160 crianças sem educação infantil. O problema é antigo, mas foi agravado pela municipalização das creches em 2008. Naquele ano, 87 creches mantidas pelo estado passaram para responsabilidade da prefeitura. Até o momento, a PMF ainda não absorveu a demanda gerada pela municipalização.

A ação exige que a Prefeitura de Fortaleza seja compelida a cumprir, no prazo de cinco dias, a decisão condenatória, demonstrando cabalmente a matrícula das 160 crianças listadas, bem como das 729 em situação de demanda excedente, em creches municipais; que apresente, em cinco dias, a lista nominal dos alunos em demanda excedente para 2010 no município de Fortaleza; que apresente, em cinco dias, demonstrativo de atendimento em creches de toda a demanda excedente para creches no município de Fortaleza.

O instrumento determina ainda que, em caso de descumprimento da decisão, seja majorada a multa imposta para 6 mil por dia de descumprimento e que, após o prazo de cinco dias sem demonstração de cumprimento da decisão, seja decretada a prisão civil da prefeita Luizianne Lins e da secretária de educação do município Ana Maria Fontenelle, por descumprimento da decisão judicial supracitada, até cumprimento integral da decisão. É proposta também a intimação do Ministério Público para providências criminais que podem ser adotadas no caso de reiteração do descumprimento da decisão e por crime de responsabilidade por oferta irregular do ensino.

Sobre o andamento dos processos:

– A Ação Civil Pública que foi dada entrada em 2002, encontra-se no Tribunal de Justiça, no gabinete do Desembargador Francisco de Assis Filgueiras Mentes.

– A ação de execução provisória tramita na 3a. vara da infância e juventude, cujos autos estão com a Procuradoria do Município (Procurador Márcio Diniz) desde janeiro de 2010.

Aline Baima
Jornalista Mtb 1702 JP CE
Assessora de Comunicação
Cedeca Ceará
 

A bala que matou Marcela

As coisas sempre estiveram aí, debaixo de nosso focinho, e sempre teimamos em não querer olhar para elas. Porém, quando a tragédia se instala de forma tão violenta e em um cenário tão próximo a nós, ficamos estarrecidos, quedamos desesperados, exercitamos uma tardia mistura de medo, desconsolo e indignação. Tudo porque se esgarçou o ilusório cordão de isolamento que parecia separar nosso paraíso refrigerado do abrasador inferno das ruas

Eu não conhecia a empresária Marcela Montenegro. Mas sei muito bem quem é o autor do disparo que a atingiu: a nossa indiferença cotidiana. Isso mesmo. É exatamente isso o que você leu: quem atirou em Marcela foi nossa estupidez e nossa omissão. Todos nós somos os seus algozes.

As coisas sempre estiveram aí, debaixo de nosso focinho, e sempre teimamos em não querer olhar para elas. Porém, quando a tragédia se instala de forma tão violenta e em um cenário tão próximo a nós, ficamos estarrecidos, quedamos desesperados, exercitamos uma tardia mistura de medo, desconsolo e indignação. Tudo porque se esgarçou o ilusório cordão de isolamento que parecia separar nosso paraíso refrigerado do abrasador inferno das ruas. Agora sabemos. Ninguém está imune. A peste está solta.

Até então, era como se o barril de pólvora no qual vivemos sentados não fosse de nossa conta. Mas quando a bala perversa atinge a cabeça de um de nós – ou alguém que bem poderia ter sido um de nós -, só assim despertamos de nosso sono letárgico de classe média deslumbrada e clamamos por providências contra a barbárie. É claro que as autoridades do setor de segurança precisam ser chamadas, com todo o rigor, à razão. Cabe a elas reprimir o faroeste caboclo, explicar como uma zona da cidade reconhecidamente dominada por assaltantes sempre permaneceu assim, entregue ao império da pedrada, do tijolaço e da bala.

Mas também é mais do que oportuno, e se torna dolorosamente necessário, refletir sobre a parcela de responsabilidade que nos cabe, pacatos cidadãos, a respeito de um episódio tão hediondo. Aprendemos a rir, de modo confortável e sem culpas, do programa policialesco de televisão que faz piada da violência que grassa em nossas periferias. Fechamos os olhos para as ocupações irregulares de terrenos que, por falta de um ordenamento urbano mais consistente, pululam na cidade e se tornam semeadouros de conflitos. Deixamos placidamente que nossas meninas se prostituam, de modo sórdido, por alguns míseros trocados ou pelo sonho de desposar um príncipe louro, nos inferninhos da Praia de Iracema.

Permitimos, sem dar um único pio, que se instale o vale-tudo, que valha a lei do mais tosco, que a falta de urbanidade seja a regra geral em nossa anestesiada coexistência. Diante de tudo aquilo que fere e incomoda a coletividade, tapamos o nariz, silenciamos a voz, levantamos o vidro fumê do carro, fazemos ouvidos moucos. Como os macaquinhos que se acham muito sábios mas que apenas permanecem sentados sobre os próprios rabos, não ouvimos, não vemos, não falamos. Na verdade, compactuamos com o descalabro. Somos os cúmplices da iniquidade.

Uma querida amiga jornalista, por e-mail, ao comentar o crime contra Marcela Montenegro, lamenta que, enquanto isso, ao passo em que a brutal violência coleciona mais uma vítima na cidade, o governador e a prefeita continuem a brigar pela supostamente bizantina questão de um estaleiro. Pois daqui respondo, cara amiga, caros leitores: é bom que prefeita e governador discutam mesmo. E é imprescindível que entremos e coloquemos cada vez mais o dedo e ainda mais lenha nessa briga. Não apenas para produzir aquele tipo de fogo que gera fagulha e calor, mas também para produzir a chama que traz a luz. O debate em torno do tal estaleiro, querida amiga, caros leitores, nada tem de bizantino.

É exatamente por nos esquivarmos de discutir coisas assim, como a proposição de um gigantesco estaleiro na orla urbana da cidade, que chegamos ao ponto onde estamos. Aqui, fique-se claro, não vai nenhuma puxada de sardinha para a brasa de qualquer um dos lados partidários ora em contenda. Não falo – e nunca falarei – de política no varejo. Desde a juventude, sou alérgico a partidos políticos. Falo, isso sim, de uma noção maior de política, falo a respeito de qual projeto de cidade afinal de contas desejamos e estamos erigindo para nós mesmos e para nossos filhos.

Tão esdrúxula quanto a ideia de um empreendimento industrial gigantesco fincado no litoral urbano é a instalação de um jardim japonês encravado na Beira-Mar. O segundo pode até aparentar ser menos polêmico ou menos nocivo do ponto de vista social, econômico, ecológico, paisagístico, urbanístico ou, sei lá, estético do que o primeiro. Mas creio que, ambos, estaleiro e jardim japonês, em maior ou menor escala, são igualmente reveladores de nossos tantos equívocos. Não há, pelo menos ao que eu saiba, uma colônia japonesa constituída em Fortaleza. Qual então o significado daquele monstrengo pretensamente zen plantado em um dos últimos espaços de convivência da cidade? Aquilo não passa de mais uma das tais belas ideias fora do lugar, outra aberração urbana, outro alienígena que pousou na cidade e por ali foi ficando, debaixo da complacência bovina de todos nós.

O que, afinal de contas, isso tem a ver com o tiro que acertou Marcela? – indagará por certo o leitor que teima em buscar compreender os efeitos sem descer ao desvão das causas. Tem tudo a ver, insisto. Não estamos apenas entregando a cidade aos malfeitores, aos turistas sexuais, aos arautos da bagunça, aos políticos talvez bem intencionados que, por serem incompetentes, provavelmente lotarão a ante-sala do inferno.

Nós, também, somos perigosamente belicosos. Cada vez que estacionamos o carro sobre a calçada, tornamo-nos mais selvagens. Cada vez que mudamos de faixa no trânsito sem ligar a sinaleira, contribuímos com a desordem geral. Cada vez que paramos em fila dupla na frente da escola à hora de pegar o pimpolho na saída da aula, reproduzimos a lógica de uma terra sem delicadeza e sem lei. Gentileza gera gentileza, pregava o profeta carioca das ruas. Ao contrário dele, somos habituais fomentadores da grosseria, da falta de educação, da omissão, do oportunismo calhorda.

Se não puxamos pessoalmente o gatilho na direção da cabeça de uma inocente, por vezes nos pegamos fazendo coisa tão nefasta quanto. Estamos matando, pouco a pouco, por sufocamento, uma cidade inteira. Acordemos enquanto é tempo. Fortaleza pede socorro. Barbárie gera barbárie.

PS: Sei que corro o risco de algum parlamentar indecente brandir este texto no plenário da Câmara ou da Assembléia como panfleto político contra fulana ou beltrano. De antemão, repudio-lhe o gesto, Excelência. O senhor sabe bem o tamanho da carapuça que lhe cabe.

(liraneto@liraneto.com)
 

Artigo publicado no jornal Diário do Nordeste em 12/03/2010.

 

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