Cedeca divulga nota “A COPA DO MUNDO E O DINHEIRO PÚBLICO”

A Copa do Mundo de 2014 virou tema cotidiano para a população fortalezense em 2009, principalmente depois de a cidade de Fortaleza ter sido eleita uma das sedes. O tema gera muita discussão, tanto em relação aos investimentos que serão realizados quanto à forma como será feito e a quem esses investimentos beneficiarão.

Com isso, há uma preocupação recorrente, por parte dos movimentos sociais e entidades da sociedade civil, de como a concretização desse evento irá afetar a vida dos fortalezenses, principalmente aqueles que vivem em torno do Estádio Castelão (onde ocorrerão as partidas) e na rota turística da cidade. Preocupa, também, a hipótese de que alguns projetos possam não levar em consideração os anseios da população e de que possam acarretar possíveis agravamentos de alguns problemas existentes na cidade, como falta de moradias adequadas e a exploração sexual de crianças e adolescentes.

Por esses motivos, o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDECA CEARÁ) pretende contribuir nessa discussão, trazendo reflexões com base em informações fornecidas pelos poderes públicos municipal e estadual sobre as ações previstas para o evento Copa do Mundo. Nesta primeira contribuição, trazemos informações mais gerais sobre alguns projetos ligados à Copa 2014 e que estão disponíveis no site do governo do estado (www.ceara.gov.br).

Mais de R$ 9,46 bilhões para o projeto da “COPA DO MUNDO”
De acordo com o documento apresentado pelo governo do Estado, em parceria com a Prefeitura Municipal de Fortaleza pretende-se gastar cerca de 9,46 bilhões de reais. Essa quantia representa 2,5 vezes o orçamento municipal para 2010 e quase o que foi gasto pelo governo do Estado em 2009. Desse recurso, R$ 5,83 bilhões já foram captados, faltando R$ 3,62 bilhões a captar ( 38,33% do total), que virá de várias fontes de recursos (Município, Estado, União, empréstimos etc.). Esse recurso está locado em diversas áreas listadas na tabela abaixo:

Como se pode perceber, a maior parte dos recursos serão destinados ao setor de Transporte e Trânsito (63,3%) – basicamente projetos de alargamento de vias na cidade de Fortaleza. É importante salientar que muitas das obras colocadas são projetos antigos, pensados ainda no governo municipal de Juraci Magalhães (BIDFOR, agora TRANSFOR).

Cabe destacar o valor destinado aos estádios de futebol, que representa mais de R$ 451 milhões, sendo que uma das ações previstas para o Castelão será a ampliação de 4.200 vagas para carros, podendo acarretar mais remoções de famílias que moram próximas.
Algumas ações na área da saúde, saneamento e meio ambiente estão presentes, por exigência da FIFA. No entanto, elas são pensadas muito mais para o atendimento das pessoas que vêm de fora do que para a população fortalezense.

Observando os projetos presentes neste documento, vemos que muitas ações já estavam pensadas por esses governos e pelos anteriores, dando continuidade ao modelo que vem sendo adotado no Estado a quase três décadas, e que não enfrenta (ao contrário, agrava) a concentração de renda absurda que existe no Ceará.
Exemplo disso é o investimento de 250 milhões de reais para a construção do “Aqcuário Ceará”, que não tem relação com a Copa, mas está colocado como se fosse um empreendimento necessário para o evento. Isso leva a crer que muitos projetos e grandes obras que não tinham aceitação por parte da população serão apresentados como projeto da Copa para se conseguir uma maior aceitação por parte da população.
O mesmo aconteceu com uma ação que servirá para financiar empreendimentos privados, que é o caso da Estruturação dos Resorts (mais de 10 milhões de reais). O projeto já existia em orçamento de governos estaduais passados e, agora com o pretexto da Copa, será provavelmente executado. Há também projetos que prevêem a remoção famílias, como o que destina recursos para o "reassentamento das famílias que estão ocupadas no Jangurussu".

O Comitê Popular da Copa 2014 questiona esses projetos, pois eles beneficiarão uma pequena parcela da população que concentra riquezas dentro e fora do Estado. Por isso, afirmamos a importância de um controle popular sobre as obras da copa do mundo, assim como de uma maior transparência e um debate amplo e profundo com as organizações populares e comunitárias sobre os projetos que estão sendo pensados.

Centro de Defesa da Criança e do Adolescente – CEDECA-CE
Março de 2010
 

Fórum DCA afirma que construção de novas unidades não resolverá, por si só, a situação dos centros educacionais no Ceará

Diante de mais uma rebelião envolvendo os centros educacionais, que resultou na morte de um adolescente na última segunda-feira, entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente produzem uma nota pública e cobram um posicionamento público do governador sobre a situação. Uma reunião com Ivo Gomes- chefe do gabinete do governador -foi marcada para o dia 26/02, mas foi adiada para 03/03/2010 e novamente foi adiada para amanhã, 04/03/2010.

Diante de todo o contexto de violações que envolve a situação dos Centros Educacionais no Estado do Ceará, o Fórum Permanente das ONGs de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA Ceará) divulga nota pública, cobrando ações do governo e do sistema de justiça. O Fórum rebate, ainda, as afirmações da secretária Fátima Catunda, da Secretaria do Trabalho e do Desenvolvimento Social (STDS), que apontou a construção dos novos centros como solução para os conflitos e declarou, em entrevista a tevês locais, que havia verba para a construção de novos centros, para investimento na parte pedagógica e formação de profissionais.

Em contraposição à solução apontada pelo poder público, as entidades afirmam na nota: “ (…) embora reconheçamos que a superlotação seja um grande problema, não é o único a ser resolvido. Dentre os entraves, podemos destacar: a equipe multiprofissional insuficiente para o número de adolescentes em cada unidade; a situação precária de trabalho dos técnicos (baixo salários, falta de autonomia); não há uma avaliação criteriosa para a seleção dos instrutores nem capacitação continuada; a quantidade de horas/aulas é irrisória. No Centro Patativa do Assaré, por exemplo, os adolescentes só têm atividade esportiva uma vez por mês e cinqüenta minutos de aula por dia, ficando a maior parte do tempo sem atividades, trancados nos dormitórios ou em “salas de reflexão”, como são chamadas as ‘trancas’”.

A nota questiona, ainda, como se dará a construção de novos centros e melhoria dos atuais, se os recursos destinados à política socioeducativa foram reduzidos em 36% em 2010. “Apesar de, em 2009, ter sido gasto com a política socioeducativa 33,66 milhões de reais, para 2010 foram previstos apenas 21.811.258,00, apontando uma queda de 36% dos recursos. Além desse valor reduzido, passados pouco mais de dois meses de exercício fiscal, o governo do Estado já retirou mais de 370 mil reais desse valor aprovado. Destes recursos, mais de 90% são destinados ao custeio da terceirização dos serviços. Assim, fica a indagação de como a Secretaria do Trabalho e de Desenvolvimento Social (STDS) se compromete com a ampliação e melhoria na infra-estrutura física e humana dos centros educacionais existentes se os recursos para essa área estão sendo reduzidos dessa forma”.

Além do poder público, a nota cobra o envolvimento também por parte do Ministério Público e da Defensoria Pública para resolução do problema. O documento é finalizado apontando medidas simples e urgentes que poderiam ser tomadas para melhorar a situação dos centros até que se consiga estruturar uma política socioeducativa no Ceará, como a garantia de atendimento sistemático de todos os adolescentes pela equipe técnico-pedagógica; disponibilidade de carros para atender as demandas das unidades; a garantia de equipe multidisciplinar em sistema de plantão e a divisão das atuais unidades em unidades menores – com a divisão dos adolescentes por idade, compleição física e gravidade do ato infracional.

O Fórum está avaliando a possibilidade de fazer uma denúncia no Sistema Interamericano de Direitos Humanos sobre a situação dos centros educacionais no Ceará. Em anexo, a nota do FDCA na íntegra.

Aline Baima
Jornalista Mtb 1702 JP CE
Assessora de Comunicação
Cedeca Ceará

Fórum DCA divulga nota pública sobre a situação dos Centros Educacionais no Ceará

O princípio de rebelião, ocorrido no dia 01/02/10, no Centro Educacional Dom Bosco (CEDB), foi a quarta revolta ocorrida nos Centros Educacionais de Fortaleza desde dezembro de 2009. Antes disso, ocorreram rebeliões no Centro Educacional Cardeal Aloísio Lorscheider (CECAL), no Centro Educacional Aldacy Barbosa (CEAB) e no Centro Educacional São Francisco (CESF). Em comum às ocorrências, a motivação: superlotação e os maus-tratos sofridos pelos adolescentes internos.

Esta série de rebeliões não se dá por mera coincidência, sendo antes resultado direto do constante desrespeito às previsões legais e aos direitos dos adolescentes internos, realidade que não é desconhecida do Governo do Estado, em especial da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS), órgão responsável pela administração dos centros. Ainda no ano de 2008, o Fórum Permanente das ONGs de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ceará (Fórum DCA) realizou um diagnóstico da rede de Centros Educacionais de Fortaleza, que levantou dados estarrecedores: todos os Centros Educacionais da cidade, à exceção do Centro Aldacy Barbosa – destinado a meninas – estavam superlotados, excedendo de três a quatro vezes o total de sua capacidade. O Centro Educacional Dom Bosco, no qual ocorreu a mais recente rebelião, tem capacidade para 50 adolescentes. À época, o centro abrigava 147 internos. Atualmente, o número é de 160 adolescentes.

Diante desta realidade, é evidente a incapacidade dos Centros Educacionais de acompanharem, adequadamente, cada adolescente , o que põe em xeque sua eficácia como medida pedagógica. Some-se a isso, uma série de outras violações – precariedade das estruturas físicas, relatos de maus-tratos físicos e psicológicos, carência ou despreparo de profissionais – e ficava claro perceber que, mais dia, menos dia, as rebeliões iriam acontecer.

O Poder Judiciário já reconheceu a flagrante situação de desrespeito aos adolescentes e à lei que se verifica nos Centros Educacionais de Fortaleza: em abril de 2009, o Cedeca Ceará, com base no relatório do FDCA/CE, ingressou com uma Ação Civil Pública pedindo que o Judiciário determinasse a tomada de uma série de medidas, pelo Estado do Ceará, para fazer cessar as violações de direitos constatadas. O Poder Judiciário, ainda que somente um ano depois, acatou o pedido liminarmente (em caráter provisório), dando ao Estado do Ceará um prazo de 06 meses para resolver a superlotação, sob pena de ter de pagar multa no valor de R$100,00 por adolescente interno, bem como a interdição dos Centros Educacionais.

O posicionamento dos representantes da STDS- publicizado pela mídia – que, ademais, pouco espaço dá aos familiares dos adolescentes – tem sido o de minimizar os acontecimentos, querendo fazer parecer que as rebeliões são coincidência, provocadas por indisciplina dos internos em Centros Educacionais, quando, na verdade, o próprio Estado, pela negligência com que tem tratado as políticas para a infância e adolescência, é responsável por esta situação.

Na ocasião da rebelião no CECAL, representantes do Estado declaram, aos meios de comunicação, que os jovens internos no local teriam feito profissionais da unidade de refém, durante a suposta rebelião ocorrida no dia 16 de dezembro de 2009. Esta informação, entretanto, contradiz o que foi apurado pela Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social, segundo a qual não existiam reféns, e ainda, que a ordem foi restabelecida sem que houvesse resistência. Entretanto, depois de a rebelião já ter sido controlada, os policiais tiveram de intervir para impedir que alguns “educadores” do CECAL agredissem física e psicologicamente os jovens, que já não mais ofereciam ameaça. Segundo familiares dos internos, as rebeliões seriam induzidas institucionalmente por meio de violência e restrição de direitos. Na ocasião, organizações de direitos humanos tentaram, sem sucesso, ser recebidos pela STDS para tratar da situação.

Não se pode restringir a solução ao problema à mera construção de novas unidades de internação, mas, antes de mais nada, fazer com que a medida de internação cumpra seu papel de socioeducação. De outro modo, de nada adiantará a constituição de “depósitos de adolescentes”. É necessário ainda questionar uma cultura do Judiciário institucionalizadora de adolescentes, em detrimento da aplicação das medidas socioeducativas em meio aberto, quando o Estatuto da Criança e do Adolescente afirma que a privação de liberdade tem caráter excepcional.

Diante desse contexto, reivindica-se:

-Que seja repensada uma cultura institucional baseada na violência e restrição aos direitos fundamentais dos adolescentes a quem foi atribuída a autoria de ato infracional.

-Que haja um efetivo controle social da política socioeducativa desenvolvida em nosso Estado e o reconhecimento de sua legitimidade pelo governo e transparência de suas ações.

– Que haja ampla discussão acerca dos planos pedagógicos desenvolvidos junto aos adolescentes inseridos no sistema socioeducativo.

– A revisão do processo de seleção, contratação e formação dos educadores que têm um papel fundamental para a boa execução das medidas de internação e semi-liberdade e que encontram-se em condições bastante precárias de trabalho.

Solicitamos também uma reunião com Governador e com a Secretária do Trabalho e de Desenvolvimento social do Estado e o compromisso dos mesmos em tomar medidas urgentes e eficazes para resolução dessa situação que já se tornou insustentável.

Conclamamos as organizações e movimentos a aderirem a esta pauta de reivindicações e a assinarem esta nota.

Assinam a nota

Articulações:

1. ANCED (Associação Nacional dos Centros de Defesa de Crianças e Adolescentes)

1. ABONG/NE/03 – (Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais)

1. AESC – Associação dos Educadores e Educadoras do Ceará

1. ARCA – Associação Recreativa e Esportiva para Crianças e Adolescentes

1. INSTITUTO BRAÇOS – (Centro de Defesa de Direitos Humanos de Aracaju/SE)

1. FEVS – Fórum Cearense de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes

1. FÓRUM DCA/CE – Fórum Permanente das ONGs de Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes

1. REAJU-CE (Rede de Assessoria Jurídica Universitária)< /p>

1. RENADE (Rede Nacional de Defesa do Adolescente em conflito com a lei)

1. RENAP-CE (Rede Nacional das Advogadas e Advogados Populares – Ceará)

1. RENAP-NE (Rede Nacional das Advogadas e Advogados Populares – Nordeste)

Organizações

1. ABBEM (Associação Batista Beneficente e Missionária)

1. CEDECA-CE (Centros de Defesa de Crianças e Adolescentes do Ceará)

1. CEDECA-EMAÚS-PA (Centros de Defesa da Criança e do Adolescente do Pará)

1. CEDECA-DF (Centros de Defesa da Criança e do Adolescentes do Distrito Federal)

1. CDPDH (Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Fortaleza)

1. CRESS-CE (Conselho Regional de Serviço Social do Ceará)

1. Comissão Especial da Criança e do Adolescente da OAB-CE

1. COMUNICAÇÃO E CULTURA

1. Dignitatais – Assessoria Técnica Popular – Paraíba

1. IDESC (Instituto de Desenvolvimento Social e Cidadania)

1. MNMMR-NACIONAL (Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua)

1. MNMMR- ESTADUAL- ES (Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua do Espírito Santo)

1. MNMMR-ESTADUAL-CE (Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua do Ceará)

1. PASTORAL CARCERÁRIA – CE

1. PASTORAL DO MENOR

Aline Baima
Jornalista Mtb 1702 JP CE
Assessora de Comunicação
Cedeca Ceará

 

Comissão de Defesa do Direito à Educação realiza acompanhamento da matrícula dos alunos novatos em Fortaleza

A Comissão de Defesa do Direito à Educação realiza, de 08 a 12 de fevereiro de 2009, no horário de 7h30min às 12h, o acompanhamento do processo de matrícula para novos alunos na Rede Municipal de Ensino. O intuito é verificar se está ocorrendo divulgação referente ao período de matrícula e se as crianças com a idade a partir de quatro anos estão sendo matriculadas nas datas programadas e nas séries adequadas. De acordo com a Emenda Constitucional 59 (antiga PEC 277/08), é dever do Estado garantir o ensino básico gratuito para crianças e adolescentes na faixa etária entre 4 e 17 anos. No primeiro dia (08), será visitada a Creche Sobreira de Amorim, no bairro Henrique Jorge, a Creche Menino Jesus, no Passaré, a Creche Anísio Teixeira, em Messejana, e o Centro de Educação Infantil Alba frota, localizada na Av D. Manoel, no Centro.

Durante as visitas, os integrantes da Comissão preenchem uma ficha de acompanhamento, na qual são verificadas questões como a quantidade de vagas que estão sendo ofertadas, quantas crianças são matriculadas, que condições a escola tem para receber o aluno (se a escola é acessível, se os profissionais estão qualificados etc), dentre outras. Já na terça-feira, dia 09, será visitada a Escola Frei Agostinho, Escola Municipal de Ensino Infantil e Fundamental Dom Aloísio Lorscheider (EMEIF) e Escola Anexa Frei Tito I, todas localizadas na Praia do Futuro.

Há dez anos, a Comissão acompanha o processo de matrículas em Fortaleza, atuando através do controle social da política pública educacional, na busca pela efetivação do Direito à Educação, que implica ampliar a oferta de educação pública em todos os níveis, melhorar a rede de ensino e os equipamentos e meios necessários ao processo educativo, fortalecer a democracia na escola, qualificar e valorizar permanentemente os profissionais e assegurar a prioridade administrativa e orçamentária para a Educação. Anualmente é divulgado um relatório, realizado a partir do que foi verificado, que é entregue ao poder público.

Aline Baima
Jornalista Mtb 1702 JP CE
Assessora de Comunicação
Cedeca Ceará

 

“Capitães da Areia”: apontamentos de uma Leitura Crítica

“Capitães da Areia”: apontamentos de uma Leitura Crítica[1]
Ângela Pinheiro[2]
1. Introdução
Foi uma releitura após mais de 35 anos. Havia lido ainda adolescente. Do texto, praticamente nada recordava, a não ser a lembrança marcante de um livro revelador das difíceis condições de vida de crianças e adolescentes, seus personagens centrais.
Muito recentemente, a leitura de “Capitães da Areia” foi recomendada por uma integrante do NUCEPEC/UFC[3]. Decidi-me a fazê-la. Foi uma experiência singular. Agora, partilho com vocês este artigo, ao concluir a leitura de “Capitães da Areia” e me perguntar: o que ficou em mim do seu conteúdo? Difícil de decidir a abordagem: são inúmeras as dimensões que podem servir consistentemente de “mote”.

2. O Contexto
De toda maneira, parece-me essencial, de início, contextualizar o momento da escrita do livro.
Jorge Amado elaborou todo o texto há mais de 70 anos, no decorrer de 1937, ano do início da Ditadura Vargas. Denominada também de Estado Novo, prolongou-se até 1945, durante o qual se verificaram evidentes restrições de liberdades individuais e coletivas no País; houve a outorga da Constituição Federal de 1937; concretizam-se perseguições políticas e restrição de direitos. Tudo isso em um ambiente de populismo trabalhista e de orquestração da propaganda oficial para exaltar a figura do ditador Getúlio Vargas, que chegou a ser denominado de Pai dos Trabalhadores.
O enredo de “Capitães de Areia” aborda, mesmo que secundariamente, o ambiente político de então, ao incluir em sua trama os movimentos grevistas de trabalhadores das docas da Bahia. João de Adão, líder dos doqueiros, e Loiro, morto durante manifestações grevistas e pai de Pedro Bala, um dos Capitães, são personagens que encarnam a luta dos trabalhadores.
Em termos de legislação específica, referente à criança e ao adolescente, vigorava, quando da escrita de “Capitães da Areia”, o Código de Menores de 1927[4], o primeiro do País, também reconhecido como Código Mello Matos, Juiz de Menores e principal mentor desse diploma legal. A Doutrina da Situação Irregular faz-se incontestavelmente presente em seu conteúdo, entrelaçando na configuração do menor, as significações do abandono, da carência (econômica, sobretudo) e da delinqüência, como o Código denominava o conflito com a lei.

3. O interesse pelo livro
Desde que me entendo, Jorge Amado tem sido apontado como um dos autores brasileiros mais lidos no País e, também, um dos mais traduzidos de nossa literatura, ampliando, de conseqüência, o alcance de suas obras para incontáveis países. Além disso, alguns de seus livros foram adaptados como telenovelas (“Gabriela, Cravo e Canela”), e para o cinema (“Dona Flor e Seus Dois Maridos”). Romancista de extensa obra, os temas abordados por Jorge Amado voltam-se muito para o cotidiano. Um olhar que, sem dúvida, revela modos de pensar, agir e sentir da população brasileira, particularmente dos segmentos mais pobres.
A difusão em larga escala da obra de Jorge Amado e a sua abordagem do cotidiano levaram-me a acatar a sugestão de integrante do NUCEPEC e reler “Capitães da Areia”, para uma análise, por considerar que os seus conteúdos, ao revelarem dimensões do cotidiano brasileiro, também são constitutivos de realidades. Contribui, assim, para a construção de significados sociais de personagens e eventos que constituem as tramas de seus enredos.
No caso da obra em análise, “Capitães da Areia”, ao conter a configuração complexa de uma cultura juvenil, contribui para a construção (ou a consolidação) de significações sociais referentes à criança e ao adolescente, no pensamento social brasileiro.
Mergulhar em seu conteúdo poderá contribuir, portanto, para uma compreensão mais ampliada dos significados que têm sido atribuídos às crianças e aos adolescentes ao longo da história social brasileira.
A propósito, guia-me a convicção de que expressões artísticas, tal qual o romance “Capitães da Areia”, fazem-se instrumentos difusão de representações sociais[5], ao consolidarem (ou não) conteúdos circulantes de um determinado contexto, de um momento histórico. Guia-me, assim, a vontade de ampliar a compreensão de significações das infâncias no Brasil, ao adentrar no pensamento de autores, como Jorge Amado, que falaram dessa temática, no campo da literatura[6], e também no campo da observação do cotidiano social.
Assim, desperta-me interesse construir uma análise crítica de “Capitães da Areia”, por considerar que o seu conteúdo traz um complexo exemplo de uma encarnação histórica do Menor. Aqui tomada como uma representação social síntese, formalizada na Doutrina da Situação Irregular, a representação social Menor, como construída em “Capitães da Areia”, traz em si, de forma extremamente instigante, o entrelaçado das dimensões do abandono, da carência e do conflito com a lei, articuladas perversa e consistentemente.

4. O Enredo
Certamente, para a compreensão dos leitores deste artigo, parece-me necessário resenhar o conteúdo de “Capitães da Areia”.
Enredo ficcional, baseado na realidade ou relato de realidade. Pouco importa. Ou importa menos do que constatar como a história dos “Capitães da Areia” revela essa representação social Menor, uma significação (ainda) profundamente recorrente em nosso tecido social, sobre a infância pobre, com todas as implicações decorrentes na configuração do trato público dispensado a crianças e adolescentes das classes subalternas no País.
No início do século XX, mais precisamente a partir da década de 1910, cerca de 100 crianças e adolescentes (sobre)vivem entre as ruas e os areais da Bahia, e habitam um velho trapiche abandonado. Há uma única referência à data, a década de 1910. Abandonados à própria sorte – assim são apresentados os Capitães pelo autor, não fora a presença de alguns(poucos) adultos: Padre José Pedro, Mãe-de-Santo Don’Aninha, o capoeirista Querido-de-Deus, o doqueiro João de Adão, o proprietário de um carrossel, Nhozinho França. No mais das vezes, as relações dos Capitães com instituições sociais lhes são desfavoráveis: a truculência policial, os maus-tratos no Reformatório e no Orfanato, o tratamento excludente a eles dispensado por integrantes outros da Igreja Católica e do Juizado de Menores[7].
Alguns desses 100 Capitães da Areia têm seus nomes (na verdade, quase sempre são os seus apelidos que constam) apontados: Pedro Bala, Pirulito, Gato, Boa
Vida,
Sem Pernas, Barandão, Professor, João Grande, Volta Seca…
Meninos-homens, é assim que o autor os denomina e os configura, sobretudo, como amantes da liberdade e diferenciados de “outras crianças”, para quem uma outra significação é delineada, como é bem revelador o trecho que se segue, que corresponde ao pensamento de Pedro Bala:
Bem sabia que eles nunca tinham parecido crianças. Desde pequenos, na arriscada vida da rua, os Capitães da Areia eram como homens, eram iguais a homens. Toda a diferença estava no tamanho. No mais eram iguais: amavam e derrubavam negras no areal desde cedo, furtavam para viver como os ladrões da cidade. Quando eram presos apanhavam surras como os homens. Por vezes assaltavam de armas na mão como os mais temidos bandidos da Bahia. Não tinham também conversas de meninos, conversavam como homens. Quando outras crianças só se preocupavam com brincar, estudar livros para aprender a ler, eles se viam envolvidos em acontecimentos que só os homens sabiam resolver. Sempre tinham sido como homens, na sua vida de miséria e de aventura, nunca tinham sido perfeitamente crianças (grifo meu) (p. 235-6).
A busca dos Capitães da Areia por (sobre)viver parece representar o núcleo do enredo, e o que dá a liga à história. Seu desenrolar vai revelando nuances incontáveis de sentimentos, dimensões inúmeras de relacionamentos, relações dos personagens com instituições sociais as mais diversas, sonhos e destinos dos Capitães.
Valores e incontáveis situações sociais fazem-se presentes no enredo de “Capitães da Areia”, dos quais destaco tão somente alguns: furtos como meio de vida; sonhos; angústia; cinismo e dissimulação; sexo e desejo; hierarquia do grupo, com claro reconhecimento, respeito e confiança no chefe; recorrente falta do cuidado e carinho de mãe; estereótipos de gênero (p. ex. João Grande chora como uma mulher… (p. 217); briga entre gangues; mentiras.
Destaco, outrossim, como o grupo “Capitães da Areia” apresenta uma gama de leis internas, “porque os meninos abandonados também têm uma lei e uma moral, um sentido de dignidade humana” (p. 189), leis que “nunca tinham sido escritas mas existiam na consciência de cada um deles” (p. 111) e às quais não admitiam descumprimento, tais como: fazer aquilo que haviam garantido (no caso, a Don’Aninha); “quando se é amigo, se serve ao amigo” (p. 94); não furtar de um companheiro (p. 185).
O texto é pródigo em abordagens de emoções e sentimentos: circulam, articulam-se, embatem-se manifestações de vingança, fraternidade, ódio, ternura, amor, solidão, cuidado, desprezo, coragem, busca pela liberdade, bondade, inveja, alegria, vergonha, medo, temor, pavor, respeito aos mais velhos, perdão, saudade, culpa, orgulho, valentia, compaixão, humilhação, alegria, admiração.
Na tessitura das emoções e sentimentos, um personagem chamou-me particularmente a atenção. Falo de Dora, a única menina a permanecer no trapiche. A constituição dessa personagem é profundamente densa, com múltipla significação, posto que Dora desperta, para diferentes Capitães, os mais diversificados sentimentos, a partir de relações concretas ou imaginárias, que eles estabelecem com ela: Dora Irmã, Dora Mãe Ideal, Companheira de Aventuras, Objeto de Desejo e de Pecado, Noiva, Esposa…
Há espaço, na história dos Capitães, para o que estou denominando de passagens poéticas, das quais são exemplo:
Então a luz da lua se estendeu sobre todos, as estrelas brilharam ainda mais no céu, o mar ficou de todo manso (talvez que Iemanjá tivesse vindo também ouvir a música) e a cidade era como que um grande carrossel onde giravam em invisíveis cavalos os Capitães da Areia “ (p. 66).
“O sol deixava cair sobre as ruas uma claridade macia, que não queimava, mas cujo calor acariciava como a mão de uma mulher” (p. 106).
São inúmeras as situações apresentadas na história que ficam certamente como um inventário do que não deveria ser feito, em termos do trato público dispensado a crianças e adolescentes. Atenho-me a dois exemplos (outros poderão ser identificados pelos leitores): as agressões físicas (inclusive com o uso de chicote…) que são impingidas, por investigador policial e pelo Diretor de Reformatório (destinado a crianças e adolescentes do sexo masculino), durante depoimento prestado por Pedro Bala, chefe dos Capitães. Como segunda situação ilustrativa, cito o incentivo de um bedel do Reformatório à delação entre os internos: Fausto (o Bedel) anima a delação (p. 207); … ouve (Pedro Bala) os gritos denunciadores do delator (p. 209).
5. Perspectivas e Destinos dos Capitães
Que “rumos” tomam os Capitães? Como prosseguem em suas vidas? Morte de alguns (por doença ou pela ação de perseguição policial); carreira bem sucedida como artista plástico; engajamento em movimentos reivindicatórios de trabalhadores; retorno às origens sertanejas e inserção no grupo de Lampião; despertar de vocação sacerdotal e opção pela vida religiosa. Os exemplos se fazem incentivo à curiosidade do leitor e da leitora, para a compreensão do que possa significar, para crianças e adolescentes, construir (ou não) um projeto de vida. Para a grande maioria dos integrantes do grupo dos Capitães, segue desconhecido o desdobrar de sua vida, como o foram anônimos os personagens, ao longo do livro.
Dentre os personagens que têm explicitados os seus projetos de vida, está Boa Vida, que, pretendendo permanecer na Bahia, onde, quando crescesse, seria tão fácil viver uma boa existência de malandro, navalha na calça, violão debaixo do braço, uma morena para derrubar no areal. Era a existência que deseja ter quando se fizesse completamente homem (p. 82).

6. E Fica-me…
…de resto, a ternura do autor pelos “Capitães da Areia”, sentimento que identifiquei tão profundamente ao longo de todo o texto. Fica-me, outrossim, o ressoar das gargalhadas dos Capitães, presentes no decorrer de sua história, apesar de tantos pesares e de tantas intempéries.

7. Referências Bibliográficas
MOSCOVICI, S. (1978) A Representação Social da Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar Editores.
PINHEIRO, A. de A. A. (2001). A Criança e o Adolescente como Sujeitos de Direitos: Emergência e Consolidação de uma Representação Social no Brasil. In: CASTRO, L. R. de. (org.) Crianças e Jovens na Construção da Cultura. Rio de Janeiro: NAU Editora/FAPERJ, 47-68.
___________________ (2006). Criança e Adolescente no Brasil: Porque o Abismo entre a Lei e a Realidade. Fortaleza: Edições UFC.
THERRIEN, A. T. S. (1998) Trabalho Docente: Uma Incursão ao Imaginário Social Brasileiro. São Paulo: EDUC.

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[1]O texto lido foi da seguinte publicação do livro: AMADO, J. (1937-2009 C
apitães da Areia. São Paulo: Companhia das Letras.
[2]Professora da UFC, integrante do Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisas sobre a Criança (NUCEPEC/UFC) e associada do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDECA-Ceará).
[3]Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisas sobre a Criança, projeto de extensão da Universidade Federal do Ceará, que atua desde 1984, na defesa dos direitos de crianças e adolescentes.
[4]Lembro que até o início do século XX, o termo “menor” era utilizado no Brasil, no plano jurídico, para fazer referência a quem não atingira a maioridade. É com a formulação dessa legislação específica para os menores de idade, Código de Menores de 1927, que a denominação menor é institucionalizada, consagrando-se como uma classificação com forte teor discriminatório. Ver a respeito: PINHEIRO, A. Criança e Adolescente no Brasil: Porque o Abismo entre a Lei e a Realidade. Fortaleza: Edições UFC, 2006.
[5]Em estudos anteriores (Pinheiro, 2001: 49; Pinheiro, 2006: 35), tenho explicitado a minha compreensão de representações sociais, com base no que preceitua Serge Moscovici (1978), como uma modalidade de conhecimento, que expressam uma parcela da realidade, explicam-na, justificando-a ou questionando-a. Representações sociais são conteúdos de pensamento que traduzem a realidade e são por ela traduzidos. Têm, portanto, função constitutiva da realidade (Ângela Therrien, 1998:33), na qual a maioria das pessoas se movimenta. “Toda representação é composta de figuras e expressões socializadas”, é o que afirma, ainda, Moscovici (1978: 25), o que me permite considerar a importância das trocas sociais, inclusive através do conteúdo de obras literárias, para a construção de representações sociais.
[6]Ver o artigo de minha autoria, “Negrinha, qual é o teu nome?”, sobre o conto homônimo de Monteiro Lobato, que foi publicado no jornal O POVO, em 16.01.2010, p. 2 (Jornal do Leitor).
[7]Há uma referência diferenciada, neste sentido, com relação a um Juiz de Menores da Aracaju, Olivio Mendonça, “um homem bom, procurava resolver os conflitos como melhor podia, se abismava com a inteligência das crianças iguais a homens, compreendia que era impossível resolver o problema. Contava aos romancistas coisas dos meninos, no fundo amava os meninos. Mas se sentia aflito porque não podia resolver o problema deles…”(p. 237)
 

Comunidade Escolar denuncia falta de professores em escolas da Praia do Futuro

Pais, representantes do Fórum pela Educação da Praia do Futuro (FEPRAF) e da Comissão de Defesa do Direito à Educação convocam uma reunião com autoridades, às 18h30min, do dia 26/01/2010, na escola São Bento (Rua oliveira filho, nº 2310, Praia do Futuro), para discutir a situação das escolas nas comunidades Cocos, Embratel, 31 de Março, Caça e Pesca, Humaitá e Luxou, situadas na Praia do Futuro e entorno.

Durante as visitas de acompanhamento da matrícula antecipada da rede pública municipal, que ocorreu de 4 a 8 de janeiro de 2010, a Comissão de Defesa do Direito à Educação visitou as escolas “Anexo Frei Tito, Frei Agostinho, Berlamina Campos e Dom Aloísio Lorscheider” e verificou que, em todas, há turmas que não estão tendo aula por conta da falta de professores. A comunidade escolar denuncia que algumas turmas estão sem aula há quatro meses e outras desde julho de 2009. Além do problema das escolas, na audiência será discutida também a situação da saúde na região. Na Assembléia do Orçamento Participativo de 2005, foi deliberada a construção de um posto de saúde na comunidade do Luxou, mas até agora a obra não foi iniciada. O posto de saúde mais perto da comunidade fica a uma distância de cerca de 3 km, no bairro Caça e Pesca.

Foram convidados para a reunião representantes da secretaria de educação do município de Fortaleza, do Distrito de Educação da Regional II, do Ministério Público e da Secretaria de Saúde. 

Contatos:
Laudenir Gomes (Assessor comunitário do Cedeca Ceará/ Comissão de Defesa do Direito à Educação) (85)8606-1459
Maria de Fátima ( Fórum Pela Educação da Praia do Futuro) (85)8723-7846

Aline Baima
Jornalista Mtb 1702 JP CE
Assessora de Comunicação
Cedeca Ceará
 

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